A diversidade genética das árvores de sete espécies florestais europeias manteve-se ao longo de milhares de anos e o tamanho efetivo das suas populações permaneceu estável ou aumentou, resistindo a intensas variações ambientais, nomeadamente aos ciclos glaciares, revelou um artigo científico publicado na revista Nature.
Como é que as mudanças ambientais do passado, em particular as que ocorreram durante os ciclos glaciares e interglaciares, afetaram a demografia e a diversidade genética das árvores das florestas europeias? Até que ponto estes eventos climáticos, incluindo a última Idade do Gelo, constituíram fatores de mudança?
Estas foram algumas das questões que serviram de ponto de partida ao estudo “Resilience of genetic diversity in forest trees over the Quaternary”, que juntou mais de duas dezenas de instituições de investigação de diferentes países europeus.
Após analisar 164 populações de sete espécies florestais ao longo da sua área de distribuição natural, concluiu-se que os ciclos glaciares não foram tão determinantes como se supunha na trajetória de diversidade genética das árvores das espécies analisadas nem na dimensão efetiva das suas populações.
Mais do que as grandes mudanças ambientais, a diversidade genética e o tamanho efetivo das populações foram influenciados pelas próprias características biológicas – por elementos como a sua biologia reprodutiva, por exemplo.
Foram escolhidas sete espécies florestais com importância económica e/ou ecológica na Europa, todas polinizadas pelo vento, sendo quatro folhosas e três coníferas: bétula-branco ou vidoeiro prateado (Betula pendula), faia ou faia-europeia (Fagus sylvatica), choupo-negro ou álamo-negro (Populus nigra), carvalho-alvar (Quercus petraea), pinheiro-bravo (Pinus pinaster), pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris) e pícea-europeia ou espruce-da-Noruega (Picea abies).
Embora estas espécies tenham passado por significativas reduções na sua área de distribuição e no seu número de indivíduos durante as grandes mudanças ambientais associadas aos ciclos glaciares:
A diversidade genética das árvores manteve níveis elevados ao longo de ciclos glaciares e interglaciares;
O tamanho efetivo das suas populações (indivíduos que contribuem com a sua genética para a geração seguinte) aumentou ou permaneceu estável ao longo de vários ciclos glaciares e interglaciares – até há 15 milhões de anos nos casos mais extremos.
Esta indicação contrasta com estudos anteriores, que tendiam a considerar o Último Máximo Glaciar (ou seja, à maior extensão dos mantos de gelo durante a última Era do Gelo, há cerca de 20 mil anos) como a principal causa de mudanças genéticas nas espécies arbóreas florestais na Europa.
“Da perspetiva da biodiversidade, isto é muito positivo porque estas árvores pertencem a espécies chave, das quais dependem muitas outras”, referiu Pascal Milesi, professor de Ecologia e Evolução Vegetal na Universidade Uppsala e autor principal do estudo, reforçando que o estudo traz sinais positivos sobre as nossas florestas e informação importante para ajudar a gerir a biodiversidade florestal num contexto de alterações climáticas.
As drásticas mudanças ambientais tiveram menos impacte nos níveis de diversidade genética das árvores destas espécies e na dimensão efetiva das suas populações do que anteriormente se pensava e os cientistas acreditam que a elevada diversidade genética mantida está relacionada com a forma como sobreviveram durante estas “idades do gelo”, com a sua longevidade e com o facto de o seu pólen poder viajar milhares de quilómetros, explica o investigador.
Diversidade genética das árvores e diferenciação genética das suas populações
O artigo releva que os padrões de diversidade genética destas sete espécies não refletem necessariamente a sua relação filogenética (por exemplo, não há padrões comuns entre as espécies angiospérmicas ou entre coníferas, que partilham um mesmo passado evolutivo) nem as suas preferências ambientais.
Os padrões de diversidade genética observados parecem estar mais relacionados com a partilha das já referidas características biológicas e ecológicas – como o seu modo de polinização e de dispersão de sementes –, e com as limitações (quer biológicas, quer as ambientais) que facilitam ou dificultam a sua reprodução e a sua distribuição para além de determinadas áreas ou barreiras geográficas.
“A diferenciação genética identificada entre populações foi baixa para a maioria das espécies, exceto para o pinheiro-bravo e o choupo-negro”, diz o artigo, e o nível de diferenças genéticas entre populações não foi uniforme ao longo da distribuição das espécies. Em geral, as populações geneticamente mais divergentes foram encontradas nas latitudes mais a sul.
No entanto, a distribuição geográfica não seguiu de forma consistente o gradiente latitudinal sul-norte que é, com frequência, considerado como um indicador da história de recolonização pós-glaciar.
O artigo identifica quatro grupos de espécies relativamente à diversidade genética das árvores e à diferenciação genética entre populações. Eis algumas das suas características:
1. Diferenciação genética elevada entre populações, baixa diversidade genética:
Pinheiro-bravo – tem uma distribuição fragmentada e limitada ao Mediterrâneo. A diversidade genética desta conífera é relativamente baixa, o que reflete a sua distribuição descontínua e o seu habitat mais restrito. É de entre as sete espécies, a única que não produz híbridos. A polinização e dispersão das suas sementes é feita pelo vento.
Choupo-negro – Uma espécie ripícola, ou seja, que vive frequentemente ao longo dos cursos de água e cresce rapidamente. A distribuição desta angiospérmica por zonas temperadas e mediterrânicas é descontínua, o que contribui para uma estrutura genética mais diferenciada entre populações. A polinização é feita pelo vento e a dispersão de sementes pelo vento e pela água.
2. Diferenciação genética moderada entre populações e diversidade intermédia:
Faia-europeia – uma angiospérmica dominante em muitas florestas temperadas da Europa, especialmente em zonas centrais e ocidentais. A polinização é feita pelo vento e a espécie tem uma dispersão relativamente limitada de sementes, feita por animais.
Espruce-da-Noruega – uma conífera com uma ampla distribuição no norte da Europa, com populações que mostram uma boa ligação genética, apesar das suas grandes distâncias geográficas. A espécie é conhecida por estar bem-adaptada a climas frios e sobreviveu aos ciclos glaciais em refúgios boreais. A polinização e dispersão de sementes dependem do vento.
3. Diferenciação genética moderada entre populações e elevada diversidade:
Carvalho-alvar – Um dos carvalhos mais comuns na Europa e um importante componente das florestas temperadas. A diversidade genética das árvores desta espécie é elevada, especialmente em populações mais a norte. A polinização desta angiospérmica é assegurada pelo vento e a dispersão de sementes é feita tanto pelo vento como pelos animais.
4. Baixa diferenciação genética entre populações e diversidade moderada:
Pinheiro-silvestre – Uma das espécies de pinheiro mais amplamente distribuídas na Europa, adaptada a uma vasta gama de condições ambientais, desde climas boreais frios até regiões temperadas. Tanto a polinização como a dispersão de sementes desta conífera dependem do vento.
Betula pendula – Uma angiospérmica de rápido crescimento, que consegue viver em habitats perturbados, tem uma ampla distribuição geográfica (florestas boreais e temperadas) e uma elevada ligação genética entre populações. A sua polinização e dispersão de sementes são feitas pelo vento.
Divergência genética entre populações é anterior à última glaciação
Em paralelo, o estudo estimou que os principais acontecimentos na origem das divergências entre núcleos afastados de populações destas espécies (levando-as a evoluir diferenciadamente) ocorreram maioritariamente antes do Último Máximo Glaciar, num período que se estendeu desde há 0,6 milhões de anos (no Quaternário Médio) e há 17 milhões de anos de anos (durante o Mioceno).
Por exemplo, para o pinheiro-silvestre terá começado há 0,6 milhões de anos enquanto para o carvalho-alvar há 15 milhões.
Exceto na faia-europeia (que tem uma história mais recente de diferenciação), as populações das outras espécies começaram a diferenciar-se geneticamente muito antes da última grande glaciação e os eventos climáticos “mais recentes” tiveram menos influência nesta diferenciação, que se deveu sobretudo a barreiras topográficas (montanhas, por exemplo) que impediram o movimento das populações.
Por exemplo, barreiras montanhosas no sul da Europa, como os Alpes ou Pireneus, podem ter criado regiões isoladas de elevada altitude para as quais as espécies bem-adaptadas ao frio se deslocaram repetidamente durante os períodos glaciares, contribuindo para uma maior diferenciação genética destas populações de elevadas altitudes no sul da Europa (do que a ocorrida em populações de zonas baixas ou nas de latitudes mais a norte).
Ainda assim, o fluxo genético entre populações não foi perdido, ou seja, as trocas genéticas entre diferentes populações de uma mesma espécie continuaram ao longo do tempo, o que ajudou a manter uma ligação genética entre populações.
Quanto à evolução do tamanho efetivo das populações, isto é, do número de indivíduos de dada população que contribuiu geneticamente para a geração seguinte, apesar dos desafios ambientais significativos enfrentados durante os períodos glaciares, na generalidade aumentou ou manteve-se o tamanho efetivo das populações ao longo deste período, mesmo durante as perdas de habitat causadas pelo avanço do gelo.
Muito poucas populações apresentaram decréscimos e isto aconteceu nas que se encontravam isoladas – separadas de outras populações – e que terão registado maior deriva genética. Já a magnitude dos aumentos terá variado entre espécies, com o maior acréscimo estimado para o pinheiro-silvestre e o menor para a faia-europeia.
A equipa conclui, assim, que espécies florestais dominantes, que têm vastas áreas de distribuição, grande efetivo genético de reprodução e um fluxo genético eficiente (capacidade de movimento de genes entre populações através de processos como a polinização e dispersão de sementes) mantiveram a sua diversidade genética por longos períodos, apesar das extinções regionais que ocorreram durante os períodos mais desfavoráveis.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.