Ter dados, estatísticas e informação credível é crucial nos processos de análise e decisão.
Uma das razões de imperfeições na produção legislativa reside em percepções deficientes da realidade e em simulações defeituosas do impacto da sua implementação, porque a informação em que se baseia, sobretudo se carecer de matemática, carecerá na maioria das vezes de precisão e de robustez. Para uma hipotética reestruturação do Ministério da Agricultura este assunto deveria merecer toda a atenção. Haver pensamento numérico formado e informado sobre o país e as suas interligações é essencial para se alinharem visões perspectivas e prospectivas – e ambas aderirem à realidade. Muita desta capacidade foi-se perdendo ao longo dos anos na administração. Neste aspecto, tem sido um caso de mérito, que deve ser assinalado, a edição da Cultivar e pode-se imaginar o que seria de bom se houvesse à sua disposição recursos suficientes para uma construção e trabalho permanentes em dados, estatísticas e informação!
É com um enorme respeito que deve ser considerado o afã dos que se dedicam à tarefa árdua dos números e modelos da nossa produção agrícola, pecuária, florestal e indústrias correlacionadas. Receber dados de diversas fontes e interpretá-los, integrá-los, filtrá-los, limpá-los de ruídos e interferências, conseguir transformá-los (sem mudar o seu carácter) num elemento útil para quem analisa e decide. Mas raramente é feito, já que lhe dedicamos muito poucos recursos materiais e, sobretudo, humanos. Nos gabinetes que assessoram os decisores, quantas pessoas foram contratadas com esta capacidade? Quantos agrónomos? Quantos matemáticos? Quantos dotados de formação em estatística, em modelação, em…?
É com uma enorme admiração que deve ser entendido o edifício político-profissional em que se baseia a produção de informação trabalhada, seja estatística agrícola e comercial seja financeira seja sociológica, colocada à disposição nalguns países. Meticulosamente actualizada e criteriosamente a par das variáveis importantes a cada um dos sectores. Geradora de pensamentos essenciais para negócios, produção de leis e regulamentos, assunção de medidas de minimização de riscos, estabelecimento de critérios para seguros e indemnizações justas. O Observatório Español del Mercado del Vino é um exemplo excelente, e são seguras as inferências que se conseguem fazer dos seus dados fiáveis.
Em Portugal temos a informação e dados que fornecem o IVV, o INE e outros institutos, trabalhados profissionalmente com mérito. Mas desgarrados entre si e incompletos, sem que isto seja responsabilidade dos respectivos Institutos. Temos ainda os que são colectados e trabalhados por empresas multinacionais de estudos de mercado. E temos uma quantidade colossal de informação produzida continuamente e arquivada, e que nem é devidamente estudada, nem articulada, nem trabalhada de outra forma, nem transformada no poderoso instrumento de desenvolvimento que deveria ser: reside um pouco por todo o lado, no IFAP, nas DRAP, no INIAV, na ASAE, no IVV, no IVDP, no IVBAM, no INE, no INPI, em Direcções Gerais, em tantos organismos! Que útil seria poder ter uma noção correcta de hectares, alterações de uso, investimentos, produções, produtividades, licenciamentos, instalações de culturas e abandonos, fitossanidade, tantas e tantas coisas fundamentais para decisões e leis!
Há medidas anunciadas de xis milhões, para um universo de ípsilon milhares de utentes, potenciais e elegíveis, o que permite logo fazer-se uma conta de dividir simples e pensar que tal dará um zê de umas escassas dezenas de euros por cada infeliz contemplado… isto deve-se a que, nos gabinetes de gestação da medida, não há o pensamento agronómico e estatístico, não há a ferramenta sólida de dados sólidos para se trabalhar, não há uma capacidade de visão perspectiva e prospectiva do que se idealizou e quis implementar sem a base numérica necessária! Uma pena.
Não está à distância dum clic a possibilidade de se ter informação integrada e decomposta da enorme actividade agrícola do país. Mas está à distância duns despachos nomear gente capaz, constituir umas equipas de trabalho que consigam dotar Portugal da articulação necessária entre a informação de diversas entidades e organismos, para que essa mesma informação seja produtiva. O futuro dependerá cada vez mais de energia, informação e matéria-prima. Para o futuro é preciso que no presente as pessoas sejam capazes de análises e decisões corajosas: as que nos dotem de informação sobre dados e estatística à altura do tempo em que vivemos.
Sem dados correctos e estatísticas robustas, ou seja, sem informação credível, todo o edifício de pensamento e acção política cairá sempre pela base, de imediato ou a prazo. É importante e indispensável agir neste assunto e quanto antes, para que as acções no futuro venham a ter o alicerce dum reflectido e sólido pensamento. Ter dados, estatísticas e informação credível é e será sempre crucial nos processos de análise e decisão que se quiserem eficazes.
Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021.