Esta fotografia (penso que de Udo Schwarzer) foi publicada com um comentário que rezava assim: “Pós incêndio, pós limpeza, solo esquelético preparadinho para receber novamente as árvores que vão arder um dia e novamente pós incêdio… tudo se repita na vida de um bom eucaliptal. Odemira, 7.1.2024”.
Como é natural, até porque a fotografia é de uma área da Rede Natura, esta publicação deu origem a um conjunto de comentários, de que destaco os que diziam respeito ao facto de se estar na Rede Natura, da erosão que iria resultar desta operação florestal, da destruição de matéria orgânica pelo revolvimento dos solos.
Eu não sei o suficiente de silvicultura para saber se a execução desta operação florestal é perfeita ou não, mas sei de um conjunto de outras coisas e portanto, tendo confirmado que antes já ali estavam eucaliptos, acho que vale a pena tirar da frente um conjunto de mitos e discutir o que verdadeiramente importa nesta fotografia.
Não havendo alteração de uso – era eucalipto, continua a ser -, não faz sentido a referência à Rede Natura como sendo relevante, a área foi classificada apesar dos eucaliptos que lá estavam, o que significa que esta replantação não tem grandes probabilidades de afectar os valores que levaram à classificação do sítio, não sendo, portanto, provável que exista afectação significativa da biodiversidade.
Quanto à erosão do solo, o que vejo (insisto que não sou florestal, pode estar mal executado e eu não me aperceber disso) é uma técnica florestal que diminui, não aumenta, a erosão. Cria-se um terraceamento com inclinação para o interior do socalco, favorecendo a acumulação de água e nutrientes na base do talude e interrompendo regularmente a escorrência numa encosta muito inclinada, o que diminui muito a força erosiva da escorrência. Acresce que centenas de anos de pastoreio e dezenas de anos de exploração florestal comercial, dificilmente deixaram uma herança de solos cuja erosão seja dramática. Resumindo, é um mito essa ideia intuitiva de que esta operação favorece a erosão, especialmente no médio longo prazo, ou até ao próximo fogo.
Quanto à matéria orgânica no solo, não vejo que matéria orgânica se espera encontrar numa encosta inclinada, sujeita a centenas de anos de pastoreio intensivo (necessariamente associado a fogo pastoril), seguida de exploração florestal comercial, nas nossas condições de clima. Resumindo, se esta acção não favorece a acumulação de matéria orgânica (a não ser, talvez, na base do talude onde pode haver alguma acumulação), também não tem um efeito relevante sobre a diminuição do teor de matéria orgânica num solo que, com toda a probabilidade, já não a teria.
Aqui chegado perguntei qual era, então, o valor natural que se perdia com esta operação de gestão.
A resposta foi muito interessante: perdia-se a oportunidade de fazer outra coisa.
E a resposta é muito interessante porque é a resposta que os economistas costumam dar quando alguém se propõe gastar recursos a fazer outra coisa, por exemplo, um matagal ou uma mata biodiversa (não vou discutir a exequibilidade de o fazer, nem o aumento de risco de incêndio que acarreta, se não for feita uma adequada gestão dos combustíveis finos).
O gestor deste terreno dispôs-se a gastar uma pipa de massa para fazer esta operação florestal, que é caríssima, porque espera que a riqueza criada com a produção de eucalipto venha a compensar o investimento.
Transformar isto noutra coisa que não um eucaliptal também custa dinheiro – numa fase inicial, pode ser muito menos se não houver mobilização do solo, mas implica gastos muito maiores de gestão por ser impossível a mecanização das operações – mas a expectativa de ter retorno é muito contingente (o risco de fogo é estratosférico) e, na percepção da esmagadora maioria dos proprietários, demasiado baixa, sobretudo se não se considerar a opção de pastoreio.
Trata-se de um retorno relativamente modesto e que só se materializa em muito mais anos que os cortes do eucaliptal, ou de trabalho intensivo e mal remunerado, se se considerar a hipótese de pastoreio.
O que levanta uma questão verdadeiramente interessante: faz sentido perder energias a moer o juízo dos promotores desta acção, defendendo que têm a obrigação de fazer outra coisa, ou faz mais sentido deixar os promotores desta acção (pelo tipo de intervenção, é provável que seja uma das celuloses ou um produtor a elas associado) criar riqueza, investir e com o retorno pagar acções de conservação mais relevantes que mudar o uso do solo desta encosta?
No fundo, é uma questão que gostaria que houvesse jornalistas a pôr a Pedro Nuno Santos: os cinco mil milhões de euros dos contribuintes enterrados na TAP e na CP não poderiam ter tido um uso socialmente mais valioso se concentrados numa economia mais eficiente (que inclui um Estado mais eficiente)?
É a isto, acho eu, que não sou economista, que se chama discutir custos de oportunidade e deveria ser o essencial das discussões da campanha eleitoral que se avizinha.
Para os que, como eu, não gostam de paisagens como as que estão na fotografia, mas também não gostam de dizer aos outros o que deveriam fazer com os seus recursos, a solução parece-me bastante simples: comprar terra e dar-lhe um destino de que se goste mais.
Não sendo milionário, como é o meu caso, acabo por me concentrar no apoio à Montis, uma associação de conservação da natureza que, com a minha quota anual de 25 euros, compra e gere terra em que a opção da fotografia não é considerada.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.