As empresas vitivinícolas do Alentejo não têm capacidade de competir no mercado de álcool gel devido à proliferação de produtos baratos, mas “sem controlo” das autoridades, disseram hoje à Lusa os responsáveis de duas adegas da região.
A Ervideira, no distrito de Évora, e a Adega Cooperativa da Vidigueira, Cuba e Alvito, no distrito de Beja, foram das primeiras a apoiar a linha da frente do combate à pandemia de covid-19, numa altura de enorme escassez de álcool gel, mas, um ano depois da confirmação do primeiro caso de covid-19 em Portugal, estão praticamente “fora do mercado”.
O diretor executivo da Ervideira, no concelho de Évora, mas integrado na sub-região vitivinícola de Reguengos de Monsaraz, explicou que o mercado foi inundado por produtos muito gelatinosos, mas que “não têm 70% de álcool”, conforme a legislação em vigor, e que são vendidos “com 6% de IVA”.
“Ou seja, estão completamente fora da legislação, não são sanitizantes, mas as pessoas põem um produto qualquer nas mãos e acham-se seguras. Então, o mercado tornou-se num mercado de preço e não de produto sanitizante”, desabafou Duarte Leal da Costa.
A Ervideira produziu, desde o início da pandemia, 25 mil litros de álcool gel, do qual ofereceu às autoridades de saúde e instituições locais toda a primeira parte, “cerca de 15%”, antes de começar a comercializar.
No entanto, atualmente, o mercado está invadido de “produto tão barato” que as próprias instituições, que antes foram apoiadas pela adega, “já não estão a pedir” esse tipo de donativo.
“E quando digo barato, é um produto que não está conforme, mas não interessa. A partir do momento em que você, na sua loja, é obrigado a ter um álcool gel, você tem. O produto não é conforme, mas já ninguém o chateia. Aqui o segredo é ninguém o chatear”, apontou Leal da Costa.
Já o presidente da Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito (ACVCA), que ofereceu pelo menos 2.500 dos cerca de 13.000 litros de álcool gel que produziu nos últimos 12 meses, reconhece que o desinfetante produzido a partir de álcool vínico “não é o mais competitivo” e, por isso, “está em desvantagem”, mas aponta o dedo a outro problema.
Segundo José Miguel Almeida, trata-se das “importações de outros países” de produtos que “não têm o controlo que tem o produto feito em Portugal”.
“Efetivamente aparecem produtos à venda em Portugal” já ao consumidor final “com preços absolutamente espantosos . Eu, nesses casos, duvido sempre daquilo que é o processo e a origem, mas quimicamente não tenho dados para isso [comentar a legalidade dos produtos]”, lamentou o presidente da ACVAC.
A cooperativa do Baixo Alentejo fez mesmo um investimento “a rondar os 100 mil euros” para criar uma unidade de produção de álcool gel com recurso a “fundos nacionais e europeus”.
O produto, de resto, foi responsável por “10% do volume de vendas” da loja da ACVCA em 2020, mas já não tem, neste momento, uma procura que permita à unidade “estar permanentemente a trabalhar todos os dias”,embora a adega vá continuar a produção “sempre que for necessário”.
“Ficará de uma forma muito residual. Este é um equipamento que perdurará durante décadas, vai permitir-nos continuar a produzir este produto sempre que necessário e, provavelmente, surgirá alguma inovação desta própria unidade, um novo produto que se adapte às necessidades e ao mercado de futuro, mas não creio que o [álcool] gel venha a representar algo de muito expressivo no futuro”, considerou José Miguel de Almeida.
Já na Ervideira, esta produção não envolveu “investimento nenhum adicional”, além da aquisição “das componentes químicas” e o trabalho dos funcionários e das máquinas.
A adega vai continuar a produzir álcool gel enquanto houver “empresas interessadas nisso”, mas Duarte Leal da Costa acredita que a procura por este produto vai desaparecer, tal como a as máscaras, assim que a vacinação estiver generalizada.
“Eu espero que seja assim. Que nós, portugueses, voltemos a ver o sorriso uns dos outros, a [ter a] nossa forma de viver, que é a olhar na cara dos outros”, desejou, frisando: A [ter a] nossa forma de negociar. As pessoas olham-se e respeitam-se”.
A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.539.505 mortos no mundo, resultantes de mais de 114,3 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 16.389 pessoas dos 805.647 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.