O Banco Português de Germoplasma Vegetal (BPGV) conserva, desde 1957, uma das maiores coleções de sementes em Portugal e integra o grupo restrito de 170 bancos mundiais com mais de 10 mil variedades. Além de caracterizar, avaliar, documentar e valorizar recursos genéticos, fornece material também a agricultores e recorre a cultura e criopreservação. Para falar da importante missão do BPGV, o CiB entrevistou Ana Maria Barata, coordenadora, e Octávio Serra, investigador auxiliar.
Entrevista: Margarida Paredes | CiB – Centro de Informação de Biotecnologia
Fotogtrafias e vídeo: Orlando Almeida
Veja o video:
O que é o BPGV e qual a sua missão principal?
Ana Maria Barata (AMB) — A missão é conservar recursos genéticos vegetais. Conservação significa recolher, caracterizar e avaliar o material, documentá-lo e valorizar as variedades aqui guardadas. O banco detém uma das maiores coleções de sementes em Portugal.
Pode dar-nos alguns exemplos das variedades mais raras ou mais especiais que guarda?
AMB — Todas são especiais. Começámos em 1977, primeiro com a colheita de cereais, depois leguminosas-grão, hortícolas, aromáticas e medicinais, e, em paralelo, pastagens e forragens. Grande parte destas variedades já não está em produção, o que lhes confere valor único. No mundo existem cerca de 1.740 bancos e somos um dos 170 com coleções mais representativas.
O BPGV colabora com outras entidades, nacionais e internacionais?
AMB — Trabalhamos com universidades, politécnicos e todas as entidades do Sistema Científico Português. Integramos o European Cooperative Programme for Genetic Resources desde os anos 80, uma rede europeia organizada em grupos de trabalho que definem critérios técnico-científicos para gerir e valorizar coleções de germoplasma.
Colaboramos também com um banco mundial de sementes (Svalbard Global Seed Vault), duplicando a nossa coleção e participando num projeto para estudar 100 anos de longevidade da semente e o efeito do frio nas sementes. Participamos em projetos Horizonte Europa e Interreg, o que alarga a nossa rede. No ECPGR, cada técnico do BPGV é representante em grupos de trabalho; eu sou chair do grupo de Aromáticas e Medicinais e vice-chair do grupo europeu de bancos de germoplasma.
Em Portugal, trabalhamos com associações de agricultores e com agricultores. Ao contrário de muitos bancos, fornecemos material a agricultores.
Os recursos do banco têm sido utilizados, por empresas ou outras instituições, em programas de melhoramento? O banco retira alguns benefícios económicos ou outros?
AMB — Sim os recursos genéticos têm sido valorizados através de programas de melhoramento, em investigação e junto dos agricultores e suas associações. O melhoramento e a conservação dos recursos genéticos são atividades públicas. O financiamento é do Orçamento do Estado através do INIAV, entidade que nos tutela e de projetos. Não retiramos benefícios económicos do fornecimento de material.
Porque é importante preservar sementes tradicionais num mundo globalizado e dominado por variedades agrícolas industriais?
AMB — As sementes transportam a informação genética que determina qualidade, quantidade e resiliência das colheitas. São a base da segurança e soberania alimentar.
Que papel tem a biotecnologia no BPGV e na conservação da biodiversidade?
Octávio Serra (OS) — Embora sejamos um banco de sementes, também conservamos recursos genéticos que não podem ser mantidos como semente: espécies que não produzem semente (ex.: alho) ou em que a semente não é geneticamente fidedigna (polinização cruzada). Nesses casos, mantemos coleções de campo e cópias de segurança em cultura in vitro no laboratório. Estamos a iniciar também a criopreservação vegetal. Estas técnicas de natureza biotecnológica são essenciais para conservar materiais de propagação vegetativa.
Usamos ainda biologia molecular para avaliar a variabilidade genética — não é conservação direta, mas apoia decisões de gestão.
A conservação e a criopreservação servem para identificar geneticamente as sementes?
OS — Não. São técnicas de conservação alternativas ao frio usado para sementes ortodoxas. Para identificação/estudo genético recorremos a biologia molecular aplicada aos acessos.
Tecnologias de edição genética, como CRISPR, impactam o vosso trabalho?
OS — Para já, não temos, que se saiba, sementes editadas a circular no país, mas isso pode mudar. A tecnologia é promissora, porém levanta um desafio crítico de rastreabilidade. Sem rastreabilidade, é impossível distinguir uma semente editada de uma não editada. Se variedades editadas tiverem vantagens produtivas, podem dominar e reduzir a diversidade genética. Para além disso, sem distinção, podemos recolher material editado sem saber e não detetar a contaminação de populações naturais.
Existem ferramentas biotecnológicas que permitem prever como certas sementes podem resistir a alterações climáticas, doenças ou pragas?
OS — Sim. Os marcadores moleculares (ADN) permitem detetar genes associados a resistências (ex.: seca) ou a características como cor e tamanho. É um “raio-X” genético: a partir do ADN de uma semente inferimos as características e a performance futura da planta.
Como é que a preservação de variedades autóctones pode ajudar a criar uma agricultura mais sustentável e adaptada aos desafios atuais, como as alterações climáticas?
AMB — A biodiversidade garante acesso a variedades adaptadas, aumenta a resiliência dos sistemas produtivos e combate a fome de forma sustentável. As variedades tradicionais estão adaptadas aos sistemas locais e podem sustentá-los.
Quais são hoje os maiores desafios do Banco?
AMB — No passado recente faltavam recursos humanos e os equipamentos estavam obsoletos. O PRR e novas contratações atenuaram esses problemas e alcançámos maior estabilidade. Há sempre margem para reforçar equipas e modernizar.
O que mais a motiva no trabalho?
AMB — É uma missão de Estado: manter, hoje e no futuro, os recursos que asseguram a nossa sobrevivência e soberania alimentar.
Pode indicar uma tecnologia que vá transformar o futuro da agricultura?
OS — Não há uma só. Será a combinação de inovações — do melhoramento (incluindo edição genética) à automação/robotização e a novos sistemas de cultivo, incluindo produções indoor em certas culturas, por limitações climáticas. Vejo uma agricultura mais fragmentada entre países, o que tornará os bancos de germoplasma ainda mais críticos.
AMB — Muitos bancos surgiram no pós-II Guerra para garantir recursos genéticos. O conceito alargou-se (vegetais, animais, florestas, micro-organismos, aquáticos). As guerras têm destruído coleções e o público nem sempre percebe o risco enquanto houver comida nas prateleiras. Já os agricultores sabem de onde vem o alimento.
Como vê o banco em 2050?
AMB — Se os conflitos persistirem, o futuro não será risonho. Há bancos de sementes a serem destruídos pelas guerras. Um banco é a história de um povo, a sua forma de produzir e alimentar-se.
Ana Maria Barata
Licenciada em engenharia agrónoma e mestrada em Produção Vegetal, é investigadora e responsável pelo Banco Português de Germoplasma Vegetal (BPGV) desde 1998. Desempenha funções de “Chair” no Grupo de Trabalho das Plantas Aromáticas e Medicinais do European Cooperative Programme Genetic Resources (ECPGR), sendo autora e coautora de capítulos de livros e de artigos técnico-científicos sobre conservação de recursos genéticos vegetais, publicados em revistas nacionais e internacionais.
Octávio Serra
Licenciado em Genética e Biotecnologia, mestre em Genética Molecular Comparativa e Tecnológica, doutorado em Plant biology and biotechnology, é investigador auxiliar no BPGV. Os seus interesses atuais focam-se na implementação de novas ferramentas e tecnologias para promover e acelerar o conhecimento da criobiologia das principais culturas vegetais nacionais, sobretudo dentro da familia das Rosaceas. Publicou 12 artigos em revistas especializadas nas áreas de biotecnologia vegetal.
*Esta entrevista foi feita ppelo CiB e publicada na edição impressa e online da revista Vida Rural de Novembro
Fonte: CiB













































