“Está na época em que se discute o que mudou no domínio dos fogos rurais. O que nos dizem os números, ou seja que resultados há para apresentar?
Comparando um conjunto de indicadores (2018 – março 2020) com os valores que seriam expectáveis de acordo com o histórico recente (2008-2017) ou seja, ajustados para a meteorologia e outros tipos de ruído, verifica-se:
– Diminuição apreciável (41%) do nº de ignições;
– redução interessante (24%) do nº de fogos (>1 ha);
– pequena redução na duração dos fogos;
– pequena redução da representatividade da floresta na área ardida;
– reduções substanciais (>50%) dos grandes incêndios em floresta do Estado, perímetros florestais e áreas protegidas.
As más, ou menos boas notícias são:
– Pequeno aumento da % de reacendimentos;
– Idem para proporção de grandes incêndios (>100 ha);
– Idem para a dimensão dos maiores incêndios;
– aumento de 27% da fração da área ardida correspondente a dias com perigo meteorológico elevado a extremo;
– e praticamente não há alteração na área ardida total
O sumo da conclusão: a mesma área ardida mas com maior impacto por unidade de área”
Paulo Fernandes, claro – na verdade talvez haja até meia dúzia de pessoas no país que poderiam escrever qualquer coisa semelhante, mas o mais provável era mesmo ser Paulo Fernandes.
A partir daqui são leituras da minha estrita responsabilidade.
O que interessa é que há indicadores que são muito usados, como o número de ignições, que são como o número de casos positivos da epidemia: na verdade têm pouca relevância.
Há outros indicadores que são bastante mais relevantes, e muito directos, como a área ardida – a mortalidade, no caso da epidemia -, que permitem avaliar melhor a dimensão do problema e como impacta a sociedade.
E há indicadores que, pela sua complexidade, são pouco usados, mas que realmente eram o que deveríamos estar a medir, como a riqueza perdida em consequência dos fogos – a esperança de vida encurtada, no caso da epidemia.
Em qualquer caso, importa ter a percepção de que a dimensão das perdas provocadas pelos fogos são uma consequência de um problema económico de fundo: a falta de competitividade e sustentabilidade da gestão de largas partes do país, do que resulta abandono e, consequentemente, disponibilidade e continuidade de combustíveis.
O problema até pode ser adormecido bastante tempo, mas em qualquer altura que se juntem factores favoráveis ao fogo, isto é, secura acentuada, vento forte e o tempo passado (pelo menos cinco anos, mas mais provavelmente 10 a 15) desde o último fogo, vamos ter um ano dramático de incêndios.
A única possibilidade é percebermos qual é o problema, e encontrarmos forma de pagar a gestão da paisagem a quem a faz, de forma tal que não se criem rendas injustificadas, mas que seja compensador fazer gestão.
Doutra forma estaremos como Eduardo Cabrita, que ainda hoje, a propósito destas condições meteorológicas, falava da proibição do fogo e da GNR, sem em nenhum momento dar qualquer indicação de já ter percebido que não é por via legal que se resolve um problema económico.
Se estamos hoje mais bem preparados que em 2017?
Provavelmente sim, mas em questões relativamente marginais, no essencial continuamos com o mesmo problema de acumulação de combustível que esteve na base de 2017.
Já não seria mau que, ao contrário do que é a tradição no país, percebêssemos que a propaganda não resolve nenhum problema e do que precisamos é da capacidade de estudar, avaliar, reconhecer decentemente os erros e os limites da decisão, para no dia seguinte fazer um bocadinho melhor.
Sem isto, estamos condenados a ter fogos ou comprar companhias aéreas, sem que num caso ou no outro haja qualquer discussão séria e racional entre diferentes propostas políticas para lidar com o problema.
Discussão sobre este post