Se olharmos para os últimos 15 anos, concluímos que a evolução do setor agroalimentar e, naturalmente, da Fileira Pecuária, foi marcada por duas alterações fundamentais: do lado da oferta, a sofisticação dos processos de produção e de fabrico nas diferentes fases e operadores da fileira, devido às imposições legais ao nível da segurança alimentar na sequência das crises (dioxinas, nitrofuranos, BSE) – sem paralelo fora da União Europeia, mas que foram fazendo alguma “escola” a nível mundial -, e, do lado da procura, as exigências e pressões dos consumidores ou dos supermercados, cada vez mais atentos e sofisticados, supostamente informados (não raras vezes mal informados), em que as preocupações e perceções são amplificadas pela comunicação social, partidos políticos, movimentos ambientalistas e antiglobalização e, cada vez mais, pelas redes sociais.
Nos dias de hoje, temos de ter a noção que qualquer dossier ou projeto legislativo é “escrutinado” por todos, opinião pública e publicada, maior ou menor populismo, e temas como o bem-estar animal, o ambiente e alterações climáticas (CO2, pegada de carbono, emissões de gases com efeito de estufa), a biotecnologia, gestão dos recursos, sustentabilidade, biocombustíveis ou a resistência aos antibióticos, alimentação saudável, estilos de vida e obesidade dominam o quotidiano e têm de ser tidos em linha de conta ao refletirmos sobre o futuro e estratégias setoriais, ou na definição de políticas públicas. Veja-se, por exemplo, a revisão da PAC pós 2013, cuja discussão pública foi parte integrante do então Comissário Dacian Ciolos, abrindo o debate à Sociedade Civil, para a legitimar e assim vai acontecer com a PAC pós 2020, cujo debate se vai iniciar em janeiro, num processo que se acelerou com as crises do leite e da carne de porco – e atualmente dos cereais e, em parte, da carne de bovino – depois de muitas medidas e apoios da ordem dos 1 000 milhões de €.
Um tema a que voltaremos em breve para uma reflexão sobre o futuro da Política Agrícola Comum!
Temos hoje preços ao consumo cada vez mais baixos, devido, em grande parte, ao funcionamento da cadeia alimentar, às sucessivas promoções, e à pressão dos consumidores, baixa inflação para conter taxas de juros que promovam o investimento e o crescimento económico, e cada vez mais restrições a montante. O consumidor tem hoje uma panóplia de produtos e de conceitos, a mobilidade, quer profissional, quer pela pressão do turismo, acentua estas características, os mercados dependem cada vez mais das exportações ao nível global, sendo certo que nos próximos anos – por efeito do crescimento da população e de melhoria de rendimento das classes médias dos países emergentes – temos de aumentar as produções de carne, leite e ovos mas também é preciso agir, contrariar esta tendência de desacreditar o consumo de carne e leite, mostrar que os produtos respondem às preocupações colocadas a nível nacional, europeu ou mundial. Que não existem produtos bons ou maus, mas dietas que não são equilibradas, são os excessos que colocam em causa a perceção de uma alimentação saudável, e que as estratégias setoriais apostam na verdade, na confiança e credibilidade e que se preocupam com as pessoas e o mundo em que vivemos, com políticas sustentáveis e responsáveis da parte das empresas.
Nesta perspetiva, assumindo que a alimentação animal representa o principal custo de produção das explorações pecuárias e que é determinante no bem-estar animal e para a segurança dos produtos de origem animal, temos que aprender com as crises e apostar num paradigma de diferenciação, inovação e uma nova “postura”, em Portugal e na Europa, ao nível da qualidade e de uma nova Visão da Indústria, que deve estar assente em 3 eixos: segurança alimentar, nutrição animal e sustentabilidade.
Aqui, a responsabilidade na aquisição de matérias-primas é fundamental, mostrando que a sociedade solicita cada vez mais, a nível mundial, a compra de matérias-primas assentes em determinados critérios, respeitando as boas práticas agrícolas e ambientais e a relação com as comunidades locais. Tendo como exemplo a soja, a “sustentabilidade”, enquanto critério de diferenciação do negócio, é cada vez mais solicitada pelas cadeias de distribuição, sobretudo nos países do Norte da Europa e o tema começa a despertar um pouco por todo o Mundo, com destaque para os “novos consumidores”. As preocupações ambientais representam igualmente uma oportunidade para enveredarmos por esta estratégia, que tem de ser partilhada por todos os agentes da Fileira.
De facto, a alimentação tem sido importante, a par da genética, para o maneio, produtividade, índices de conversão e melhoria das condições sócio económicas e da eficiência produção animal e, cada vez mais, com uma alimentação de precisão, é condição fundamental para o sucesso da produção pecuária em Portugal. Temos ainda de relevar, nesta estratégia, um problema que a todos preocupa: o da resistência antimicrobiana, do PANRUAA e dos objetivos de reduzir a utilização de antibióticos nas explorações, uma utilização prudente e responsável.
O porco.pt que se está a delinear, “as vacas felizes”, nos Açores, a recente iniciativa do Clube dos Produtores de Trigo Duro com o pão “100% de cerais do Alentejo”, ou iniciativas que se multiplicam, integrando também a IACA e colaborações com o INIAV e entidades ligadas ao meio académico e universitário, ou seja apostas claras na investigação, inovação e desenvolvimento, para além do enorme e louvável trabalho que está a ser feito noutras áreas, da avicultura à cunicultura, serão seguramente uma resposta e uma forma de dizermos “presente” e de que aprendemos com a crise, que é possível termos uma produção pecuária ecologicamente eficiente, para enfrentar novos desafios, sobretudo nestes tempos conturbados que se avizinham.
Uma vez mais os termos chave: Responsabilidade e Confiança, em todos os operadores da Fileira, desde a produção de matérias-primas até ao consumidor final. Afinal, temos bons produtos, nutricionalmente aceites e saudáveis, apesar dos mitos que há que alterar, e que têm de ir ao encontro das exigências e necessidades do atual consumidor.
Saibamos, em conjunto, valorizar a produção nacional, criar valor em toda a cadeia, promovendo o emprego e reforçando o nosso papel no Mundo Rural. E com uma Administração Pública que promova mais simplificação, agilidade e cumplicidade, é possível enfrentar esses Desafios. Afinal, aprendemos ou não com as Crises?
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Vice-Presidente do Comité “Alimentos Compostos” da FEFAC (Federação Europeia de Fabricantes de Alimentos Compostos para Animais) e coordenador dos assuntos sobre Política Agrícola