A distribuição está a “analisar” o diploma sobre a taxa extraordinária de 33% sobre os lucros do setor, disse hoje o diretor-geral da APED à Lusa, questionando a sua legitimidade e o fim a que se destina.
“Gostava de esclarecer, em primeiro lugar, que a APED [Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição] e os seus retalhistas estão (…) muito unidos no sentido de analisar o diploma e todo o enquadramento que está a ser preparado”, começou por dizer Gonçalo Lobo Xavier.
O responsável diz não poder dizer se avançam para tribunal, pois ainda não existe “legislação clara, nem o esclarecimento cabal do processamento desta taxa ou imposto que o Governo decidiu criar”, sublinhou o diretor-geral da APED.
“Portanto, que fique claro que o que estamos a fazer e atentos, evidentemente, com as nossas equipas de juristas, é a analisar o evoluir da situação. Agora, nesta fase, como é evidente, não podemos dizer que vamos para tribunal porque não há matéria para tribunal nesta fase”, reforçou o diretor-geral da APED, que representa retalhistas como a Sonae (Continente) ou Jerónimo Martins (Pingo Doce), entre outros.
O jornal Público noticiou hoje que o setor da distribuição “prepara-se para contestar taxa sobre lucros extraordinários nos tribunais”, referindo que a APED se afirma disposta a ir “até ao fim” na contestação desta taxa temporária, a vigorar entre 2022 e 2023 e que se aplica às empresas com uma subida de lucros de 20% face à média dos últimos quatro anos.
Agora, “o que questionamos – e isto já não tem a ver com questões de legalidade, mas tem a ver com questões de enquadramento e da própria justificação que está escrita nos documentos que têm vindo a público do Governo – (…) a bondade, por um lado, desta taxa, a sua legitimidade e o seu fim”.
Isto “porque o que a distribuição alimentar tem vindo a assistir, e pode atestar facilmente com números, com a transparência das suas contas e com resultados, é que toda a cadeia de distribuição alimentar está a ser pressionada pelo aumento dos custos dos fatores de produção”, argumentou.
Gonçalo Lobo Xavier sublinhou que “todos os agentes económicos que gravitam na cadeia de distribuição”, que inclui produção, logística, transportes e embalagens, estão a ser pressinados pelo aumento dos custos, destacando o aumento generalizado dos preços da energia, quer elétrica, quer do gás e de combustíveis fósseis.
Estes custos “estão a pressionar toda a cadeia de valor e todos os aumentos são facilmente justificados” por isso, apontou, salientando que a invasão da Ucrânia pela Rússia exponenciou ainda mais isso.
“Nós insistimos que este aumento dos preços, dos custos, dos fatores de produção, aliados ao crescimento dos custos da energia e dos transportes, não têm sido passados na mesma proporção do aumento dos custos (…) para o valor final que os consumidores veem nas prateleiras dos hipermercados e supermercados em todo o país”, sublinhou.
Aliás, acrescentou, “todos os indicadores mostram que o retalho nacional tem passado apenas 35% do aumento relativo destes custos” para o preço de venda final.
“É preciso ter em atenção o esforço que tem sido feito pelos retalhistas para não passar na íntegra os aumentos que estão a sofrer” todos os agentes da cadeia de distribuição, disse, apontando que “os próprios agentes da produção”, de quem o setor depende, “estão a passar um mau bocado, precisamente por estes aumentos” dos custos.
“Nós somos o mensageiro” e, portanto, “o que o Governo está a fazer é a penalizar o mensageiro, as empresas de distribuição que fazem um esforço para que não faltem produtos nas prateleiras e que, para não onerar ainda mais o preço de venda final, têm tido um comportamento assinalável na manutenção das margens e muitas vezes na sua redução”, considerou.
Gonçalo Lobo Xavier sublinhou que as margens médias no retalho alimentar “são na ordem dos 2%, 3%”, em Portugal como na maioria dos países europeus.
“O que devíamos estar era a saudar o facto de as empresas estarem a ter um comportamento de eficiência de modo a não onerar os portugueses de forma ou de forma tão intensa, face ao crescimento dos custos”, defendeu.
O setor, disse, vai continuar o “esforço de eficiência para garantir os produtos em prateleira, o esforço de continuar a investir para que esta eficiência seja duradoura, o esforço para manter os colaboradores com aumentos de salários como o que foi agora feito com a assinatura do contrato colectivo de trabalho”, em que há uma majoração da tabela salarial “na ordem dos 4,5%, sendo que no salário de entrada a ter majoração em 9%”.
O país, referiu, beneficiou de uma conjuntura económica “mais favorável”, sendo que nos primeiros nove meses do ano “houve um aumento do consumo privado”, como também do turismo.
“E quem beneficiou ainda mais foi o Estado, que teve uma receita fiscal recorde precisamente porque houve uma melhoria da atividade económica”, apontou Gonçalo Lobo Xavier.
Ou seja, “o Estado, que é o principal beneficiário deste desenvolvimento e do crescimento das empresas, que naturalmente nós também assinalamos, quer agora, de uma forma populista e de uma forma demagógica, atirar para as empresas da distribuição o ónus de que o aumento dos preços e a melhoria dos resultados se deve a algum milagre e a alguma causa extraordinária que nós estamos a beneficiar”, criticou.
Isto “é fácil de documentar e será fácil mostrar que não houve nenhum lucro extraordinário. Houve bons resultados, sim, mas que decorrem destas questões que acabei de expor”, rematou.
Esta nova ‘windfall tax’ ou taxa sobre o retalho alimentar é aplicável a empresas portuguesas que “exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”, e a empresas estrangeiras “com estabelecimento estável em território português, que explorem estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados”.
Em ambos os casos a taxa fixada é de 33% e irá aplicar-se aos lucros excedentários apurados nos períodos de tributação para efeitos do IRC dos anos de 2022 e 2023.