Ainda não refeitos da perda e algum vazio deixado pela morte do Papa Francisco e numa altura em que a Administração do Presidente Trump, na sua versão 2.0, celebra os primeiros 100 dias de mandato, a semana fica naturalmente marcada pelo apagão do dia 28 de abril. A discussão em torno das causas (e a gestão da crise, sobretudo a comunicação) tenderá a prolongar-se, enquanto não forem conhecidas com rigor, quer as conclusões dos relatórios de Espanha e da Comissão Europeia, quer das entidades a quem o Governo as solicitou, no prazo de 20 dias, ou mesmo as dos estudos independentes.
Sem contar com algum (demasiado?) pânico de parte da população e o caos nas grandes cidades, o que não é de somenos importância, as consequências deste evento histórico, pelo menos do ponto de vista económico e de danos para as empresas, são relativamente bem conhecidas: para alguns analistas, 1,1 mil milhões de euros, o correspondente a um dia de PIB; no agroalimentar, existiram alguns problemas nos sistemas de alimentação e abeberamento dos animais. No setor do leite, a CONFAGRI avançou com prejuízos de 3 milhões de euros. A CIP refere 15 milhões de €, claramente subestimados, já que, por exemplo a APIC estima 7 milhões de € para a indústria das carnes.
Ao nível da alimentação animal, de acordo com as informações que as empresas nos enviaram e que transmitimos ao Governo, a generalidade das empresas não laborou, estiveram simplesmente paradas ou a escoar stocks. Muito poucas, mas algumas, pese embora as dificuldades, conseguiram assegurar alguns casos mais complicados. Se extrapolarmos as perdas para um dia de fabrico, excluindo Madeira e Açores onde a laboração decorreu dentro da normalidade, estaremos a falar de um montante em torno dos 7 milhões de euros, mas poderá ser superior, uma vez que as empresas tiveram de realizar trabalho extraordinário para normalizar as encomendas e garantir a alimentação de todos os animais em condições de perfeita segurança.
Feito o ponto de situação, o que importa reter é, tal como na pandemia, que lições podemos tirar do que aconteceu.
Para já, algumas conclusões que nos parecem relativamente evidentes: Portugal investiu (e bem) nas energias renováveis, mas é perfeitamente discutível e aqui entra o populismo, se deveria ter encerrado as centrais a carvão, para importar energia de Espanha, produzida por essas mesmas fontes, pela sua competitividade; as empresas deverão dispor de sistemas de redundância para funcionar com alguma normalidade para períodos mais longos, seja nas comunicações, seja em geradores para o fabrico; ficou claro que a descarbonização não pode ser exclusivamente elétrica e também que é obrigatório discutir a energia nuclear, sem demagogias e com bases científicas. Finalmente, Portugal não pode depender de Espanha, é possível e desejável, uma maior interdependência europeia o que, tal como noutras áreas estratégicas, nos deve obrigar a refletir numa União Europeia mais federalista.
Há que apurar as causas, saber o que falhou e porque ocorreram essas falhas, para se perceber onde e como investir, com apoios e políticas públicas dirigidas para a energia.
O que teria acontecido se a situação se tivesse prolongado durante mais horas ou dias? E se tivéssemos uma frota ou um sistema de transporte maioritariamente elétrico? Um conjunto de temas que vão entrar seguramente no debate político (em boa hora) mas, esperemos, sem demagogia nem populismos, agora que vamos entrar na campanha para as legislativas.
Seria desejável (e saudável) que os maiores partidos políticos, desde logo a AD (PSD e CDS) e o PS, e em áreas absolutamente vitais como a alimentação, a água e a energia, assumissem um Pacto de Regime.
O grande desafio que temos pela frente, até como se viu na comemoração dos 100 dias do “furacão Trump” é de natureza geopolítica e é pena que essa dimensão tenha estado ausente (até agora?) do debate político.
Infelizmente, a opinião pública e publicada não deu muita importância, na sequência da pandemia, ao Plano de Contingência da União Europeia, que evoluiu posteriormente para o EFSCM, o Mecanismo europeu de preparação e resposta a crises, da maior importância para responder a este tipo de eventos. E este Mecanismo é importante porque, infelizmente, as crises são cada vez mais frequentes, mais complexas e de natureza diversa. Como se viu, não estão unicamente relacionadas com as alterações climáticas, ou com ataques terroristas e põem em causa o funcionamento de infraestruturas críticas e a normalidade da nossa vida em sociedade. Aliás, a própria Comissão Europeia criou um pelouro específico, tutelado pelo Comissário Janez Lenarcic, para a gestão de crises, uma pasta que se encontra em permanente interligação com outras como a agricultura e alimentação.
Uma outra vertente a ser analisada é o facto de a NATO estar a intensificar o trabalho conjunto – cada vez mais necessário (e reconhecido) entre os diferentes grupos da própria Aliança e as estruturas da União Europeia, nomeadamente em grupos de consulta e de reflexão – de análise e preparação de medidas de reação a crises que são, posteriormente, transformadas em recomendações disponibilizadas aos decisores políticos. Infelizmente, por diferentes razões, muitas delas, e por motivos de natureza financeira, não “saíram da gaveta”. Mais um tema para refletir, com seriedade.
No âmbito das minhas funções na NATO, no quadro do Grupo de Planeamento de Agricultura e Alimentação (FAPG), dentro do Comité de Resiliência, é cada vez mais relevante o papel dos civis dentro da Organização, tal como os temas da agricultura e alimentação na segurança e defesa da Aliança Atlântica. E já na próxima reunião, agendada para 6 de maio, no âmbito da Comissão Europeia, teremos na Agenda a questão dos stocks estratégicos e o papel das entidades públicas e privadas.
A ligação em Portugal é feita com o Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência, com quem estivemos em contacto nestes dias. Existem diferentes Comissões no terreno, por áreas de atividade, como por exemplo, a Comissão de Planeamento de Emergência da Agricultura e Alimentação, composta por várias entidades, Administração Públicas e organizações representativas do setor agroalimentar.
Recordamo-nos que aquando da crise da BSE, os países que melhor reagiram – e num tempo em que não existiam as redes sociais e toda a desinformação que gravita à sua volta – foram aqueles que tinham uma cultura de informação, de comunicação (de dados) com os seus cidadãos.
É bom que Portugal possa seguir estes exemplos e que os decisores e cidadãos possam levar a sério todas estas estruturas de planeamento e gestão de crises. É essencial que falemos de kits de emergência, de segurança e defesa, que façamos simulações de situações de potencial emergência e que estejamos mais bem preparados para responder a esta nova realidade. As tensões geopolíticas a isso nos deviam obrigar. Basta olhar para os países do Norte da Europa.
Temos a obrigação de aprender com todos estes fenómenos. Exigir contas, mas também fazer o que nos compete. No fundo, o que verdadeiramente importa é que não exista um apagão na nossa memória coletiva.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Nota: Parabéns à ACOS e a toda a sua Equipa pela realização de mais uma excelente edição (41ª) da Ovibeja. Numa altura em que tanto falamos de Digitalização, Inovação e Inteligência Artificial, merece destaque a exposição “Imagine Um Dia”. Para visitar no fim de semana.
Fonte: IACA
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