A água é um dos fatores de produção mais importantes na agricultura e as disponibilidades de água médias em Portugal, contabilizando os recursos hídricos naturais renováveis ultrapassam os 7400 m3/ano/habitante, parecem assim colocar-nos numa posição invejável. O nosso vizinho Espanha conta apenas com cerca de 2400 m3/ano/habitante mas é dele que depende cerca de metade da nossa água. Para comparação, refere-se o caso de Israel onde o mesmo indicador apenas ultrapassa ligeiramente os 240m3/ano/habitante.
Acontece que no nosso clima mediterrânico, quando as temperaturas sobem, a radiação solar é maior e as plantas precisam de mais água para atingir o máximo desenvolvimento, a precipitação é praticamente inexistente. Quando as plantas mais precisam de água, a natureza não a disponibiliza.
É por este motivo que o regadio é crucial em Portugal. Apesar de termos disponibilidades médias anuais de água perfeitamente suficientes, temos um problema de desfasamento entre o momento da disponibilidade e o da necessidade de água ao longo do ano. Acresce ainda que a irregularidade, ao longo do ano e de ano para ano, é também uma característica do nosso clima que se agravará em contexto de alterações climáticas.
Agricultores e investidores, ao equacionar novos projetos, tomam as suas decisões em função da disponibilidade de água, pois as áreas de regadio permitem produções e rendimentos das culturas dramaticamente superiores, tipicamente de uma ordem de grandeza superior ao sequeiro.
Temos assistido nos últimos anos a uma dinâmica de investimento sem paralelo nos aproveitamentos hidroagrícolas públicos com maior capacidade de regularização hídrica interanual pela maior garantia de abastecimento que permitem.
A diversidade cultural é desejável e deve ser estimulada nestes aproveitamentos. A política agrícola tem vindo a reforçar as exigências neste sentido dentro da exploração agrícola. Também ao nível regional ou dum aproveitamento hidroagrícola as questões ecológicas e de gestão de risco deviam exigir mecanismos que a fomentassem.
O preço da água deve permitir a viabilidade económica das culturas que se desejam desenvolver nos aproveitamentos hidroagrícolas. Com este fim, podemos calcular a disposição a pagar pelo produtor para as culturas previstas, isto é, o preço máximo que mantém a viabilidade económica da cultura. Esta metodologia recorre a dados médios das contas de cultura, fixando produções, preços e quantidades de todos os fatores de produção, exceto o preço da água, determinando o valor deste que anula a margem libertada.
As plantas anuais permitem uma saudável rotação de culturas e têm um papel fundamental na gestão dos momentos de carência dos sistemas de regadio pois podem funcionar como fusível, deixando de ser cultivados em anos críticos, quando as disponibilidades não permitem assegurar todos os pedidos.
É assim desejável que o preço da água seja equivalente, no máximo, à disposição a pagar da cultura com a maior exigência hídrica que gostaríamos que se desenvolvesse num determinado perímetro de regadio. Não esquecendo, claro está, a necessidade imperiosa de assumir os melhores processos e práticas de eficiência hídrica e energética e de introduzir cada vez melhores metodologias de rega de precisão.
No regadio português existem excelentes exemplos de projetos públicos e privados mas há seguramente ainda muito a fazer no contexto da eficiência hídrica. É óbvio que temos de reduzir ao máximo as perdas de água e que temos de utilizar a água com a máxima parcimónia, recorrendo aos equipamentos e técnicas mais eficientes.
A distribuição de água estava tradicionalmente dependente da gravidade e recorria a canais abertos com derivações e aberturas nos trajetos para chegar às terras a regar. Existem ainda alguns sistemas assim onde a determinação de volumes é feita apenas por estimativa.
De modo muito simplista, podemos dizer que para o regadio coletivo ser hidricamente eficiente precisa de distribuir água em tubos fechados, medir volumes em todos os pontos de captação, de importantes derivações e em todos locais consumo.
Não há qualquer limitação tecnológica neste âmbito – existe hoje um vasto portefólio de equipamentos para a medição de caudais e volumes que inclui, para além dos contadores mecânicos (em que o fluxo faz girar uma turbina), as tecnologias ultrassónica e eletromagnética.
O registo e comunicação da medição à distância é também possível graças a data loggers e a redes de transmissão com fios ou apoiadas em sistemas rádio específicos ou de acesso universal como o GSM (desde a 2ª geração com SMS até ao mais recente NB-IoT ou 5ª geração).
No sistema de Alqueva, por exemplo, já existem atualmente mais de 1400 data loggers instalados e a comunicar diariamente consumos. Estes equipamentos permitem, além da comunicação em tempo real do consumo e da pressão, o controlo remoto (com a abertura e fecho) dos pontos de entrega de água. Também nas estações elevatórias e todos os órgãos ativos da rega é possível esta telegestão com total segurança e enorme eficiência.
Nas redes terciárias, na aplicação de água na parcela, também a tecnologia pode trazer enormes ganhos de eficiência. A precisão desta aplicação aumentou enormemente com generalização da tecnologia gota-a-gota mas hoje podemos ir ainda mais longe com tubos enterrados, evitando a evaporação à superfície. A decisão do momento e da quantidade de rega apoiada em estações meteorológicas locais e em sondas de medição de humidade no solo já hoje fazem toda a diferença no uso criterioso e regrado do recurso água.
Uma vez que a distribuição de água pressurizada acarreta habitualmente consumos energéticos relevantes, é necessário incluir também este tema na eficiência dos sistemas. Se no passado recorríamos aos elementos ou à força animal para acionar os engenhos que permitiam a elevação da água e depois à gravidade para a distribuir, hoje é a energia elétrica que garante o funcionamento dos sistemas, desde os grupos de bombagem aos cada mais sofisticados sistemas de monitorização.
O nexus Água-Energia, que tão frequentemente é referido e debatido, pretende precisamente condensar esta relação indissociável entre o consumo de água e o de energia, pois sabemos que todas as fases do ciclo da água acarretam consumos energéticos. A extração, desvio, represamento, bombagem, filtragem, transporte, distribuição e tratamento da água obrigam a consumos energéticos muito significativos.
Alqueva é um caso exemplar de eficiência hídrica, dada a modernidade das suas infraestruturas, mas tem encargos energéticos muito significativos. Em resultado da necessidade de elevação média de 140 metros, cada metro cúbico entregue obriga ao consumo de aproximadamente 0,5 kWh de eletricidade.
Por outro lado, a humanidade está confrontada com a necessidade de descarbonizar todas as suas atividades para garantir a sua sobrevivência no planeta. Em poucos anos, e quando mais rápido melhor, todas as empresas e todas as famílias terão de ter uma pegada carbónica nula.
A boa notícia é que a mudança para energias renováveis é economicamente vantajosa. Hoje já existem muitas situações em que a introdução de sistemas fotovoltaicos ou eólicos é mais económica que a tradicional ligação à rede elétrica, mesmo sem contabilizar as poupanças nos encargos mensais.
A metodologia do LCOE (Levelized Cost of Energy) integra todos os custos de um sistema no decurso de toda a sua vida e permite mostrar que os atuais sistemas solares fotovoltaicos (bem como os eólicos onshore) produzem a eletricidade ao valor mais baixo, mesmo sem considerar as vantagens ambientais de não utilizar qualquer “consumível” e não implicar emissões no seu funcionamento.
A associação do fotovoltaico ao regadio é particularmente feliz pelo ajuste da curva de produção anual com a evolução das necessidades de consumo energético. O nosso país tem excelentes condições para a produção solar e existem muitas áreas marginais que podem ser mobilizadas para esta função.
Uma vez que produção fotovoltaica em larga escala implica sempre a ocupação de áreas consideráveis que, muitas vezes, têm aptidão agrícola ou florestal, surge a oportunidade para localizações alternativas, menos convencionais, sem usos concorrentes.
As centrais fotovoltaicas flutuantes vêm responder precisamente a estes desafios. A tecnologia está bastante madura existindo já muitas dezenas de projetos de grande escala e novos grandes projetos são continuamente divulgados. A popularidade destas soluções assenta em fortes argumentos favoráveis:
- Não compete com outro tipo de utilização do solo pois ocupa tipicamente reservatórios de regularização ou partes de albufeiras em que não se comprometem usos alternativos;
- A produção é maior (5 a 10% face aos sistemas convencionais) pois o efeito refrescante do plano de água sobre os painéis aumenta a sua eficiência de conversão da radiação em eletricidade;
- A redução da incidência da luz nos reservatórios limita o crescimento das algas contribuindo decisivamente para a qualidade da água e para a diminuição dos custos com a limpeza de filtros;
- A cobertura de reservatórios reduz a evaporação e logo os custos operacionais da distribuição de água;
Os sistemas de armazenamento de energia que tornam possível a alimentação constante a partir de fontes intermitentes, como a fotovoltaica, estão a evoluir muito depressa. A tendência de descida de preço é muito significativa, com uma queda de 90% entre 2010 e 2020 nas baterias de iões de lítio.
Os sistemas hidráulicos podem também funcionar como forma de armazenamento de energia, sendo as centrais hidroelétricas reversíveis a solução de larga escala com maior interesse e viabilidade. Alqueva, Baixo Sabor ou a recente cascata do Tâmega turbinam e bombam em função das condições da rede elétrica, contribuindo decisivamente para a estabilidade do sistema elétrico nacional, potenciando o uso de outras fontes renováveis intermitentes (eólica e solar) e sem consumir o importante recurso hídrico.
Outra forma de armazenamento de energia renovável, utilizando os mesmos princípios, passa pelo bombeamento de caudais para cotas mais altas quando existe disponibilidade local de energia – uma estação elevatória pode funcionar apenas com a energia fotovoltaica produzida localmente desde que seu dimensionamento e do reservatório superior esteja de acordo com as necessidades do pedido.
É consensual que as alterações climáticas, a par do crescimento populacional mundial, aumentarão a pressão sobre os sistemas hidroagrícolas, mas as poupanças de água por incremento da eficiência hídrica com apoio tecnológico podem contribuir decisivamente para devolver o desejado equilíbrio.
Sabemos que a humanidade terá de deixar de depender da queima de combustíveis fósseis para assegurar as suas necessidades e ambições, mas também que a mudança para a eletricidade renovável trará ainda enormes reduções de custos, uma melhoria das condições de trabalho e um aumento da qualidade de vida.
O homem dominou o ciclo da água para conseguir prosperar, alimentar uma população crescente e um estilo de vida cada vez mais exigente neste recurso. Fê-lo com enorme sucesso, mas sobretudo à custa de fontes de energia fósseis.
Em todas as atividades humanas – na agricultura, na indústria, nos serviços, nos transportes ou na vida urbana – urge hoje encontrar a solução para eliminar por completo a dependência do petróleo, do carvão e do gás natural que estão a colocar em risco a nossa sobrevivência no planeta. A este imperativo civilizacional da descarbonização soma-se a recente escalada e enorme volatilidade dos preços nos mercados de energia.
A agricultura, e o regadio em particular, enquanto produtor de alimentos, mas também responsável pela utilização dos maiores volumes de água, pode dar um importante contributo naquele sentido, progredindo no sentido da independência energética, depois de evoluir o máximo possível na senda da eficiência, conhecendo necessidades e imaginando como os recursos energéticos locais as poderão satisfazer integralmente.
Artigo publicado originalmente em Linkedin.