Especialistas da fileira agroalimentar alertam para a importância e urgência de ultrapassar o impasse político que impede a utilização das novas técnicas genómicas de melhoramento de plantas (NTGs) na União Europeia.
O apelo foi lançado no Colóquio ‘Semente & Biotecnologia no rasto da inovação’, no dia 26 de setembro, em Santarém, organizado pela ANSEME- Associação Nacional dos Produtores e Comerciantes de Sementes, o CiB- Centro de Informação de Biotecnologia, a CAP-Confederação Nacional dos Agricultores de Portugal, a CropLife Portugal- Associação da Indústria da Ciência para a Proteção das Plantas e a IACA Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais.
“As NTGs são uma ferramenta segura e indispensável para que os agricultores respondam de forma mais eficaz ao desafio de produzir mais alimentos usando menos recursos (água e energia), têm potencial para contribuir para sistemas agroalimentares mais sustentáveis na Europa”, afirmou o presidente da ANSEME, Pedro Pereira Dias, na sessão de abertura.
A falta de produtos para tratamento de sementes tem graves impactos na produção agrícola europeia, podendo ocasionar perdas de produtividade de até 50% em culturas-chave como a colza e a beterraba, alertou o Diretor Executivo da CropLife Portugal, João Cardoso. No caso do milho, os tratamentos para controlar as pragas de solo aumentaram, desde que os neonicotinóides foram proibidos no tratamento de sementes em 2018, aumentando desta forma o impacto no meio ambiente e os custos para os produtores.
Na primeira mesa-redonda do colóquio os oradores partilharam experiências sobre o impacto da perda de fitofármacos na produção agrícola. “Nos últimos anos tem sido catastrófico produzir ervilhas, algumas parcelas são totalmente inviabilizadas por fungos do solo e moscas da raiz que destroem a semente, porque não há protetores de sementes (inseticidas e fungicidas) autorizados”, relatou Nelson Correia da Torriba, organização de produtores que produz 7000 hectares de culturas horto industriais no Ribatejo.
“O nosso grande desafio na Europa é produzir comida de grande qualidade, a baixo preço e em quantidade suficiente para alimentar a população, mas se nos retiram as substâncias químicas que fazem parte de uma estratégia mais vasta de proteção integrada das culturas, há quebras de produção e o custo unitário aumenta de forma colossal”, reconheceu Luís Domingos da Darta, agroindústria que produz 50 mil toneladas de hortícolas congelados em Portugal.
Nuno Bráz da agroindústria Bonduelle defendeu que “os agricultores não podem abdicar totalmente do uso de produtos fitofarmacêuticos e necessitam de tempo para conhecer as alternativas aos mesmos e para se adaptarem a soluções que são muito mais técnicas”.
A indústria da ciência para a proteção das plantas reconhece que “os produtos fitofarmacêuticos continuam a ser uma base muito importante da proteção das plantas, mas devem ser complementados com: agricultura digital e de precisão; biotecnologia, há que desbloquear as novas técnicas genómicas e biopesticidas, há que fazer um enquadramento regulamentar próprio e mais acelerado para trazer esses produtos para o mercado”, afirma João Cardoso, diretor executivo da CropLife Portugal.
As novas técnicas de edição do genoma das plantas (NTGs) permitem obter, de forma mais rápida e direcionada, sementes melhoradas para uso agrícola, resistentes a pragas e doenças, resilientes às alterações climáticas, além de poderem contribuir para a obtenção de alimentos menos perecíveis e mais nutritivos.
Neste contexto a subdiretora-geral da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), Paula Garcia, considera prioritário que a Comissão Europeia e os Estados-membros cheguem a acordo sobre a regulamentação das NTGs: “a legislação deve ser prática e equilibrada do ponto de vista das normas que vierem a regulamentar as plantas obtidas com NTGs, pois à luz do conhecimento científico atual não há risco proveniente destas plantas”, afirmou na sua apresentação no colóquio sobre bloqueios à inovação da atual proposta para regulamentar a nova geração de melhoramento de plantas.
Recorde-se que a Comissão Europeia apresentou no Verão de 2023 uma proposta de Regulamento sobre as NTGs, que mereceu por parte do Parlamento Europeu 75 recomendações de alteração. No Conselho não há acordo e os principais temas que dividem os Estados-Membros são as patentes, a avaliação de risco das NGT1, a rotulagem obrigatória para os materiais de multiplicação e produtos obtidos por NTG 2, a possibilidade de proibição nacional, e a agricultura biológica/coexistência.
Na mesa-redonda do colóquio sobre a possibilidade e pertinência da rotulagem e rastreabilidade das variedades obtidas através das NTG’s, a subdiretora-geral da DGAV explicou que nas negociações em Bruxelas, Portugal votou contra a obrigatoriedade da rotulagem das NTG 2 por não a considerar uma mais-valia para o consumidor, e porque do ponto de vista do controlo não existe forma de distinguir as plantas NTGs das obtidas por melhoramento convencional.
Raquel Abrantes da empresa GS1, especialista em rotulagem de produtos, confirmou que “não sendo possível verificar e distinguir entre uma produção que recorre a NTG’s e outra que não o faz, essa informação suplementar no rótulo dos alimentos não tem valor acrescentado para o consumidor”.
Na perspetiva da indústria de alimentos compostos para animais, “uma informação excessiva não favorece em nada o consumidor”, disse Jaime Piçarra, secretário-geral da IACA, sugerindo que “a maneira de sermos competitivos, de não gerarmos custos desnecessários para toda a fileira da alimentação animal e humana, é harmonizar as regras e os procedimentos sobre a rotulagem a nível internacional”.
A CAP-Confederação dos Agricultores de Portugal é contra o princípio da rotulagem dos alimentos obtidos por NTGs. “As novas técnicas genómicas são uma excelente oportunidade para conseguirmos obter plantas mais resilientes às alterações climáticas, para fazer face a novas pragas e doenças”, afirmou Jorge Azevedo. “Para continuarem a ser competitivos no mercado mundial os agricultores europeus terão obrigatoriamente de utilizar sementes obtidas por NTGs, a par da adoção de tecnologias digitais, de agricultura de precisão, de biopesticidas e produtos fitofarmacêuticos”, acrescentou.
O investigador e presidente do CiB Jorge Canhoto explica que “nas NTGs não há inserção de DNA de outros organismos, o que se manipula geneticamente é o DNA da própria planta e, além disso, são modificações muito reduzidas, quase equivalentes às mutações genéticas que ocorrem na natureza, e muito mais precisas e controladas do que no caso da transgénese, porque há um RNA guia que vai marcar o gene que vai ser alterado”.
Fonte: Semente & Biotecnologia no rasto da inovação