Não faço segredo do que defendo, como medida mais urgente e prioritária, para ganharmos controlo do fogo: que os contribuintes paguem o serviço de gestão de combustíveis a quem fizer uma gestão tal que mantenha o seu terreno florestal com menos de 50 cm de altura.
A proposta, como qualquer proposta, tem muitas fragilidades e pode ser criticada de muitas maneiras, mas dela digo que dizia Churchill da democracia: a pior de todas as propostas, excluindo todas as outras.
Muitas dessas críticas são razoáveis, por exemplo, José Miguel Cardoso Pereira acha-a ineficiente porque mesmo que exista gestão em mosaico, o fogo vai “percolando” pelas áreas não geridas e, por isso, duvida da eficácia de uma medida dirigida à gestão estritamente do interesse do gestor, consequentemente de aplicação caótica, sem definição estratégica das áreas de intervenção (se estou a interpretar bem a crítica de José Miguel Cardoso Pereira).
A questão, para mim, é que não conheço nenhuma medida melhor, as que pretenderam garantir um carácter estratágico às intervenções acabaram embrulhadas nas alhadas do Estado, o dinheiro vai-se consumindo e os resultados são marginais (com excepção do resultado habitual de concentrar poder e recursos nas mãos do Estado).
Um dia destes Luís Jordão publicou três fotografias muito interessantes que, aparentemente, apontariam no sentido de demonstrar que a gestão é mais ou menos irrelevante porque o resultado do fogo era igual em parcelas geridas e não geridas.
Valendo a pena lembrar que o objectivo é apenas o de expandir as actividades de gestão de biomassa fina e ganhar controlo sobre o fogo (o que beneficiaria de uma política de combate alinhada com objectivos de gestão do espaço florestal), as fotografias são interessantes em si e passo a apresentá-las, para depois falar sobre o que me interessa.
O primeiro aspecto que me interessa é que olhamos para uma área ardida e temos a tendência para amalgamar tudo numa leitura binária: ardido/ não ardido.
Eu próprio, com medo do tamanho da minha ignorância nesta matéria, fui fazendo perguntas a quem sabe mais que eu sobre avaliação de áreas ardidas e a quem sabe mais que eu de produção florestal de eucalipto.
Se a primeira fotografia é uma boa fotografia para avaliar a severidade do fogo (severidade e intensidade estão relacionadas, mas não são a mesma coisa, a intensidade do fogo mede a energia libertada pelo fogo, a severidade mede o impacto do fogo na vegetação), as outras duas têm um problema grande: como são tiradas em contra-luz, não permitem uma boa avaliação do gradiante verde/ castanho/ preto que permite avaliar a afectação da vegetação, portanto, em rigor as fotografias não são totalmente comparáveis (as duas primeiras são de povoamentos geridos, não sei se bem se mal, mas com plantações alinhadas e armação do terreno, a última suponho que seja de um povoamento de eucalipto não gerido).
O que parece visível é que não há uma afectação profunda dos povoamentos (todos eles), porque as copas estão dessecadas (castanhas), mas não estão calcinadas (pretas e com os finos consumidos).
Aparentemente, e com todas as cautelas, parece haver maior afectação na terceira fotografia porque parece haver um consumo da copa até alturas maiores do tronco, mas em qualquer caso, a gestão que poderá ter diminuído a intensidade do fogo, que se pode supor que tenha existido por menor severidade (a intensidade pode não ter variado assim tanto, mas a severidade variar mais pelo facto do povoamento não ter tanta continuidade vertical, mas estou a nadar fora de pé, não confiem muito no que digo neste comentário entre parêntesis), não parece determinante no resultado final.
Esta discussão até aqui é, no entanto, razoavelmente marginal para outros aspectos que me interessam mais na comparação destas fotografias, para os quais, aliás, sugiro a leitura deste post.
O primeiro ponto é que nos povoamentos comerciais (as duas primeiras fotografias) há perda de valor (havia madeira com valor e com o fogo há madeira com menos valor) mas na terceira fotografia não há grande perda de valor porque já não tinha valor nenhum, portanto falar em interesses económicos na existência destes fogos não tem pés nem cabeça.
Anda por aí um rapaz que diz que abandono faz parte do modelo de negócio das celuloses para manter baixo o preço da madeira, mas o rapaz é especialista em meta-narrativas sobre alterações climáticas e ninguém o informou de que o maior risco para as celuloses, neste momento, é a ruptura do abastecimento da madeira, não é o preço, pelo que aquilo em que trabalham é em aumentar a produção. Sendo o preço uma questão muito sensível, não é com abandono que se consegue sustentar o preço (se o abandono reduz a oferta, o preço sobe, não diminui, mas o rapaz nem a lei da oferta e da procura deve conhecer), é com ganhos de eficiência.
A perda de valor diz respeito a uma perda de volume (estando as árvores chamuscadas é preciso descascar e nessa operação lá vão 10 a 20% do volume de madeira, dependendo da dimensão do tronco na altura do corte) do material que existe, e na perda de um ano de produção, visto que o novo ciclo de produção só começa depois desse corte.
Este aspecto é especialmente interessante para explicar a expansão do eucalipto nas áreas em que tem boa produtividade, porque as perdas num povoamento decorrente do fogo (os tais 20% e um ano de produção) são incomparavelmente mais pequenas que as perdas nas alternativas de produção florestal, a principal das quais é o pinheiro.
Num pinhal, um fogo destes significa cortar o pinhal e começar de novo um ciclo que precisa de chegar aos vinte anos, pelo menos, para ter um valor interessante, sendo muito mais provável a ocorrência de um novo fogo em vinte anos que nos doze entre dois cortes de eucalipto.
Para o dono do terreno as contas são muito simples de fazer (não é preciso recorrer a sofisticadas teorias de conspiração para perceber por que razão não é a lei e a regulamentação que vão impedir a expansão do eucalipto, ela continuará, mesmo ilegal, prejudicando os empresários melhores e mais cumpridores, face aos aventureiros extractivistas) porque uma plantação de eucaliptos dá, na boa, três cortes, antes de um novo investimento em plantação, e um fogo não altera isso (apenas reduz o valor do corte). Na plantação de pinhal, no entanto, a cada fogo vai ser preciso fazer um novo investimento em plantação.
Escusam de me incomodar com as plantações de folhosas autóctones porque não existem grandes exemplos de ganhos empresariais assentes em modelos florestais de produção de folhosas autóctones em Portugal, a não ser em papéis vários, incluindo publicações científicas e folhas de excel, e o seu principal destino comercial, actualmente, é lenha, e não a produção de pranchas de madeira de qualidade.
Pessoalmente estou envolvido na produção de folhosas autóctones, através da Montis (quem quiser ser sócio, são 25 euros por ano e podem inscrever-se aqui) porque o meu negócio é como o de Belmiro de Azevedo, é um perdócio que aceito, com gosto, pelo prazer de contribuir para que tenhamos todos mais biodiversidade.
O aspecto que é mais interessante na comparação das fotografias, o último para que vou chamar a atenção que vai longa a pregação, é bem visível e está no solo.
Nas áreas plantadas comercialmente a escorrência de encosta é interceptada pelas linhas de plantação e os nutrientes tenderão a ficar na entrelinha, ao mesmo tempo que a água perde energia para ultrapassar o obstáculo criado em cada linha de plantação.
É por isso que a esmagadora maioria da literatura científica que se debruçou sobre este assunto conclui que muito mais que a árvore que está plantada, são as técnicas de gestão que são relevantes na gestão da fertilidade e da água.
Não estou a dizer que não possa haver diferenças se as árvores que estão plantadas são eucaliptos, pinheiros, carvalhos, ou o que quer que seja, estou a dizer que essas diferenças são de uma magnitude completamente diferente, portanto marginais, e que as diferenças resultantes de ter valas, cômoros, socalcos e outros processo de gestão dos nutrientes e da água, são de uma magnitude muito maior, portanto, mais relevantes.
É muito frequente, em planos e pareceres, impor-se a plantação a covacho com o objectivo de diminuir a erosão e, no momento da plantação, pode admitir-se que o solo fica mais exposto, e possa até haver alguma erosão acrescida enquanto a vegetação não garante uma cobertura mínima do solo.
Só que essa eventual perda (que não estou a discutir se existe e de que dimensão, estou a dar isso de barato) é incomparavelmente menor que o ganho de ter o terreno armado nos trinta a trinta cinco anos subsequentes, com os efeitos que descrevi sobre a gestão dos nutrientes e da água.
Haverá sempre uns mentecaptos que me acusarão de estar defender o eucalipto por ter escrito o que escrevi, mas o que escrevi não é a minha opinião, é o que hoje é o consenso científico e técnico sobre o assunto, tão neutro como dizer que agora está Sol ser a contatação de um facto, e não uma defesa do Sol a soldo dos interesses económicos dos fabricantes de protectores solares.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.