Passei, por acaso, pela manifestação contra o abate de uns sobreiros (era tão grande que até chegar ao pé não tinha percebido por que razão se tinham juntado ali tantos turistas).
Passei à ilharga, por acaso encontrei um ambientalista que conheço e estivemos um bocadinho à conversa (perguntou-me a rir se também tinha ido à manifestação, respondi-lhe que iria a uma manifestação que fosse pela liberalização total do abate de sobreiros e fui à minha vida).
Esta coisa de se fazerem manifestações contra o abate de sobreiros, uma árvore que existe aos pontapés e está a nascer por tudo quanto é sítio, não faz sentido nenhum e muito menos faz sentido achar que é um drama cortar 1900 sobreiros e plantar 30 mil em sua substituição.
Há, no entanto, um ponto que os manifestantes têm razão: as medidas compensatórias destes abates são uma treta, pura destruição de valor, como diriam os economistas.
Só que isso não é específico dos sobreiros, esse é um problema transversal do país e há muito tempo identificado nas políticas ambientais e, nomeadamente, nas medidas compensatórias de avaliação de impacte ambiental.
Esse não é um problema de um governo, é um problema de toda a sociedade.
Lembro-me, perfeitamente, de ligar para Francisco Ferreira, na altura presidente da Quercus, alertando para incumprimentos grosseiros de condicionantes de impacte ambiental (por exemplo, o pilar de um viaduto não poderia ficar entre uma estrada e o rio que marginava e era exactamente aí que estava o pilar) e ele claramente desvalorizar o assunto, porque não lhe interessava politicamente mexer naquele projecto em concreto.
O mesmo aconteceu com Helena Freitas, presidente da LPN, num processo concreto que os dois conhecíamos bem.
Não falo sequer da súbita paragem da contestação do traçado de uma linha eléctrica a partir do momento em que a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, que liderava essa contestação, foi contratada, pelo promotor, para prestar o serviço de monitorização dessa linha eléctrica, quando estivesse construída.
Mas posso falar as medidas compensatórias estabelecidas para a conservação do lobo nas serras de Freita e Arada, que afinal podem ser aplicadas em muitas áreas, ou do que o ICNF fez com o dinheiro para a conservação dos golfinhos que resulta das medidas compensatórias do novo cais dos ferries de Tróia. O queo ICNF fez foi objecto de crítica (um eufemismo catita) por parte da Inspeção Geral do Ambiente, quando alguém resolveu olhar para isso com um bocadinho mais de atenção (este processo conheço-o melhor por ter sido acusado de má gestão dos dinheiros públicos nesta matéria, acusação sem pés nem cabeça porque eu não tinha responsabilidade nenhuma do roubo que o ICNF fez aos golfinhos, usando o dinheiro para actividades do ICNF sem qualquer utilidade para os golfinhos).
Sim, é verdade que andar a fazer plantações sem planos rigorosos de gestão não tem interesse nenhum e é deitar dinheiro à rua.
Só é pena só se lembrarem disso quando lhes apetece, numa espécie de memória selectiva que esquece o fundo do problema: toda a gente se está nas tintas para a verificação do cumprimento das condições de licenciamento dos grandes projectos, o que é importante é aprovar, depois se vê.
Quando, em determinada altura, me nomearam para um conselho estratégico de avaliação de impacte ambiental, ou lá qual era o nome (era um órgão de aconselhamento da secretaria de estado que pretenderia contribuir para melhores processos de avaliação de impacte ambiental e do qual me demiti uns tempos depois, quando esgotei todos os recursos que tinha para acreditar que o secretário de estado, de quem sou amigo, iria ligar alguma coisa às recomendações desse conselho), passei o tempo todo a defender apenas duas coisas: 1) os estudos de impacte ambiental não poderiam ter mais de 50 páginas (poderiam ter os anexos que quisessem, mas o corpo principal não poderia ter mais de 50 páginas), medida inspirada no comentário do meu sogro à leitura do EIA da barragem do Lindoso, que na altura ainda nem era obrigatório: “dizia-se antigamente que os engenheiros de estradas ganham ao quilómetro e era por isso que as estradas tinham tantas curvas, eu diria que estes ganham à página”; 2) reforço consistente da pós avaliação, matéria a que até hoje (e já passaram bastantes anos), ninguém liga nenhuma.
Portanto, meus caros, deixem lá os sobreiros e os cortes de árvores (matéria com muito pouco interesse), e concentrem-se na floresta de problemas para que vale a pena olhar, de que inegavelmente o reforço dos mecanismos de avaliação pós execução do projecto fazem, inegavelmente, parte.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.