Há vários indicadores de inflação e de preços e – creio – talvez não estejamos a olhar para os preços da agricultura da maneira mais correcta. E a situação pode ser mais perversa do que antecipamos: os agricultores estão a perder margem.
Vamos por partes.
1. Estamos habituados a olhar para os preços da agricultura numa óptica do consumidor, ou melhor, se o preço da cebola ou dos ovos subiu ou desceu. Mas para o sector o que interessa é a margem operacional do produtor – de outra forma se o preço à saída dos campos ou do matadouro aumentou mais ou menos do que o preço dos factores de produção.
Ora, os dados do INE permitem ver esses valores através de um indicador para o qual, habitualmente, pouco se olha: os deflatores da agricultura. Este indicador avalia os termos de troca entre os preços de uma unidade produzida e os preços dos factores de produção associados a essa mesma unidade. De uma forma simples: se estamos a vender mais caro / barato do que as matérias-primas que utilizamos.
Os dados do INE indicam que durante todo o ano de 2022 e primeiro trimestre de 2023 que este indicador foi negativo. Sendo muito directo: cada unidade vendida foi vendida a um preço menor ou a custo maior face a 2021. O organismo oficial de estatística indica: a agricultura está a comprimir rendibilidade.
Esse esmagamento da agricultura pode ter várias causas. Uma delas pode ser a forte concorrência no mercado global, onde os produtos agrícolas são frequentemente negociados a baixos preços. Outra pode ser a subida dos custos de energia. Ou a dificuldade a aceder a adubos e outros correctivos “verdes” aos valores habituais. Porém, seja qual for a causa, perante estes números é difícil argumentar que não haverá pressões inflacionistas, ou que há ganância no sector. Se tudo é cada vez mais caro, é difícil aguentar o negócio.
Como analista a questão que fica é a seguinte: O que irá acontecer primeiro: a transformação do modelo de produção ou a passagem dos custos para os consumidores?
2. Tão ou mais curioso do que este esmagamento de margens operacionais, são os resultados dos restantes sectores da economia. Por exemplo, a indústria e o comércio (ver gráficos abaixo) conseguiram aumentar a margem operacional de cada unidade produzida. O que levanta as seguintes perguntas: por que motivo o sector agrícola não consegue impor-se no mercado? Por que motivo as margens operacionais da agricultura são negativas, enquanto a generalidade da indústria e do comércio conseguem ganhar mais dinheiro por cada unidade vendida? Será falta de eficiência? Falta de inovação tecnológica? Baixas economias de escala? Ou ainda estratégias de marketing pouco eficazes?
Enquanto só olharmos para os preços no consumidor, e não para a cadeia de valor e todo o seu mecanismo de transmissão de custos e preços, teremos uma enorme dificuldade em compreender o que se passa. De facto, não é possivel dar uma resposta firme a cada uma destas questões. Mas desconfio que a verdadeira explicação para esta falta de rendibilidade é o baixo poder de mercado – o sector não consegue impor a sua qualidade e preço aos poucos intermediários ou distribuidores que actuam no sector. O mercado é muito competitivo na produção, mas pouco competitivo na distribuição e no acesso aos factores de produção
Através de um processo contínuo de inflação há uma perda sistematica de riqueza. Já sabiamos que a inflação é especialmente injusta para as famílias mais pobres. Mas também o é para os sectores produtivos com menor força de mercado.
A Margem Operacional da agricultura tem sido negativa – os produtores têm perdido margem. O mesmo não acontece nos sectores da indústria e do comércio.
Evolução (aproximada) da margem operacional – dados referentes aos deflatores com base nos dados do INE.
Nota: Em termos gerais, o deflator do VAB, nas Contas Nacionais Portuguesas, é obtido, como recomendado pelas melhores práticas dos manuais europeus, através da chamado método da “dupla deflação”. Este método consiste em deflacionar autonomamente (tirar os preços) da Produção e do Consumo Intermédio.
Fonte: Contas Nacionais INE
Fundador e sócio da SafeCrop