Compostos resultantes do tratamento das águas residuais estão a ser cedidos gratuitamente a produtores florestais e agrícolas, com o objetivo de poderem enriquecer solos degradados.
Há em Portugal um número muito restrito de empresas cuja missão é dar uma nova vida a boa parte das lamas produzidas diariamente nas Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) existentes em Portugal, transformando-as em compostos que podem ser usados, a título gratuito, no melhoramento de solos florestais e alguns agrícolas, em especial, degradados por fogos ou pela erosão. A atividade tem potencial de crescimento e há investimentos em vista.
Estamos a falar de um universo de seis a sete empresas de “dimensão relevante”, estando mais de metade na Associação de Empresas de Valorização de Orgânicos (AEVO), criada em 2019. São elas que ajudam a dar um destino útil às cerca de duas mil toneladas de lamas que todos os dias saem das ETAR, evitando o aterro ou a incineração.
As ETAR pagam a estas empresas para que recolham as lamas e as transportem até às suas plataformas, onde são armazenadas e sujeitas a tratamentos para poderem ser usadas com segurança nos solos. No ano passado, o setor processou 800 mil toneladas de lamas e faturou 30 milhões de euros, números em linha com o registado um ano antes, segundo a associação.
No entanto, Ricardo Silva, presidente da AEVO, nota que a pandemia provocou uma redução na quantidade de lamas nas ETAR de Lisboa e do Porto, e também nas zonas do litoral durante o verão, o que admite que possa atribuir-se à redução do turismo e à migração de famílias para o interior, tornada possível graças ao teletrabalho.
Investimento no Norte
Os associados da AEVO recolhem estes resíduos apenas em 120 concelhos (cerca de 40% do total) e processam 480 mil toneladas, ou seja, um pouco mais de metade do que se produz no país, embora haja planos de investimentos, na ordem dos cinco a seis milhões de euros, que deverão permitir duplicar a capacidade instalada, “neste ano ou no próximo”.
Um dos projetos passa pela abertura de uma plataforma a norte, “que irá dar resposta a quase toda a região”, complementando a oferta atual, “muito concentrada no Ribatejo, o que encarece o transporte dos pontos mais afastados do país”, sublinha o dirigente associativo. “O transporte chega a representar 50% dos custos desta atividade”, assinala ainda.
O tratamento das lamas é a parte mais sensível do negócio, tendo em conta que, sendo ricas em matéria orgânica, também podem ter cargas químicas e microbiológicas com níveis tóxicos e patogénicos que é necessário neutralizar antes de chegarem aos solos.
Como lembra Ricardo Silva, o tratamento visa obter um produto final cuja composição se enquadra nos parâmetros definidos por lei, a garantir a ausência de perigosidade para a saúde e para o ambiente.
O composto final, higienizado e estabilizado, fica disponível para aplicação nos solos. Até agora, a maior parte tem ido para a floresta, “o que implica a mobilização dos terrenos, deixando-os limpos de matos e de material lenhoso, ajudando assim a prevenir incêndios”, detalha o presidente da AEVO.
No caso da agricultura, a lei proíbe o uso deste tipo de composto nos terrenos de cultivo de bens para consumo cru ou que estejam em contacto direto com o solo, como batatas, alfaces, cebolas ou cenouras.
Já pode, no entanto, ser utilizado em pastagens, no cultivo de milho e na instalação de vinhas, por exemplo. Nas contas da associação, um produtor de milho que use este tipo de composto pode garantir uma poupança entre 350 euros (com o que deixa de gastar na compra de fertilizantes) e 500 euros (com o aumento da qualidade e da quantidade da produção) por hectare, por ano. A AEVO já faz valorização agrícola em mais de 40 concelhos.
Quando os resíduos saem das ETAR para ter um aproveitamento florestal ou agrícola, podem seguir três vias. A mais barata é irem diretamente para o campo. Mas é também a solução mais complexa, pela burocracia que implica – e por esse motivo, quase não é usada: os resíduos têm de cumprir os parâmetros estipulados num plano de gestão de lamas cuja aprovação chega a demorar três anos, quando deveria ser feita em 35 dias, lamenta a AEVO.
O destino mais simples é a compostagem, embora seja a solução mais demorada (três a quatro meses) e mais cara. Consiste na elaboração de pilhas, às quais se adiciona biomassa (adquirida), onde se faz o revolvimento e a maturação, com análises ao longo de todo o processo. A higienização das lamas também pode ser obtida através da adição de cal e seguir daí para o campo (cumprindo o tal plano de gestão de lamas) ou para a compostagem.
Das 480 mil toneladas que os associados da AEVO tratam, 400 mil vão para compostagem e 80 mil para valorização direta. No total, estes operadores valorizam mais de 60% das lamas de ETAR produzidas em Portugal.
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