Terminou ontem, dia 9 de outubro, a consulta pública relativa à proposta de revisão da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 (ENCNB 2030), apresentada pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). A ZERO reconhece que a Estratégia apresenta avanços conceptuais e estruturais face à versão de 2018, com objetivos mais claros e uma abordagem temática mais abrangente, mas alerta que persistem fragilidades estruturais críticas que, a não serem corrigidas, podem comprometer a sua exequibilidade e o seu potencial transformador.
Uma das maiores fragilidades reside na sua dimensão financeira, uma vez que uma Estratégia com 101 medidas de concretização é apresentada sem o apoio de um quadro financeiro detalhado e, sobretudo, sem um compromisso orçamental plurianual claro por parte do Estado. A decisão de remeter a definição do envelope financeiro para um futuro “Plano de Ação para a Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030” representa, na prática, uma desresponsabilização política.
Também a ausência quase total de metas quantitativas de impacto – tal como já sucedia na Estratégia anterior – impede uma avaliação rigorosa da eficácia das medidas e dificulta a aprendizagem institucional necessária a uma gestão adaptativa, além de limitar a capacidade de escrutínio público da execução.
Acresce ainda, uma dependência excessiva de instrumentos suaves e voluntários, sobretudo no que concerne à integração da biodiversidade nos setores produtivos primários. A inexistência de medidas concretas que tornem obrigatória a integração de critérios de conservação da natureza como condicionalidade no acesso a apoios públicos, nomeadamente no âmbito do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), é particularmente preocupante.
Por fim, a eficácia de qualquer estratégia depende de uma estrutura de governação clara e de um sistema de monitorização que permita avaliar o seu progresso real. Nestes dois pilares, a ENCNB 2030 revela debilidades estruturais que comprometem tanto a responsabilização como a gestão adaptativa. A Estratégia propõe a criação de um “fórum intersectorial”, mas fá-lo de forma excessivamente genérica, sem clarificação sobre o seu mandato legal ou poder decisório. A fragilidade da governação torna-se ainda mais evidente devido a um sistema de monitorização que privilegia processos administrativos ao invés de medir efetivamente os impactos ecológicos.
Perante este cenário de fragilidades estruturais, a ZERO emite um parecer favorável na generalidade, mas condiciona o seu apoio inequívoco à integração de propostas que reforcem a exequibilidade, a força vinculativa e a transparência, que atualmente faltam na revisão da Estratégia.
Medidas recomendadas para reforçar a exequibilidade e os resultados da ENCNB 2030
-
- A criação de um quadro financeiro dedicado e transparente, integrado no Plano de Ação para a Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030, com dotação orçamental própria, plurianual e claramente definida, garantindo estabilidade no financiamento e permitindo um acompanhamento público rigoroso da execução;
- A introdução de condicionalidade obrigatória nos apoios públicos, assegurando que os fundos nacionais e europeus estão alinhados com os objetivos da Estratégia e condicionam o acesso a práticas favoráveis à biodiversidade, sobretudo em áreas da Rede Natura 2000 territórios sensíveis;
- Uma governança robusta e clara, com uma estrutura legalmente mandatada, participada e dotada de poder efetivo de coordenação e decisão, assegurando a coerência entre políticas setoriais e objetivos de conservação;
- Um sistema de monitorização orientado para resultados ecológicos, baseado em indicadores de impacto mensuráveis, metas temporais definidas e mecanismos de reporte público transparentes, permitindo avaliar a eficácia real das medidas;
- O reforço do quadro legal e da hierarquia de mitigação, com zonas de exclusão para atividades incompatíveis, integração das metas de conservação nos processos de decisão e aplicação rigorosa dos princípios evitar/minimizar/restaurar/compensar.
A ZERO reafirma que a conservação da natureza e da biodiversidade não pode continuar a ser tratada como um apêndice das políticas setoriais, mas como um pilar estruturante do desenvolvimento sustentável do país.
A ZERO coloca-se ainda à disposição para colaborar, sempre que solicitado, no acompanhamento da implementação da ENCNB 2030, de modo a apoiar o alcance dos objetivos estratégicos e a promoção de resultados efetivos para a biodiversidade e para a sociedade.
Fonte: ZERO