Este artigo foi originalmente publicado na Revista CULTIVAR N.º 33
Introdução
A descarbonização da economia portuguesa constitui um objetivo estratégico essencial para cumprir os compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris e das metas da União Europeia, nomeadamente a redução de 55% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) até 2030 e a neutralidade carbónica até 2045, conforme estabelecido no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050) e no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) 2030.
Neste contexto, a disponibilidade e a utilização eficaz de dados assumem-se como pilares fundamentais para orientar as políticas públicas, monitorizar os progressos e implementar soluções baseadas em evidências nos setores-chave, como a energia, os transportes, a agricultura e a indústria. Dados precisos e atualizados não só permitem quantificar as emissões com maior exatidão, como também identificar áreas prioritárias de intervenção, suportando uma transição justa e sustentável para uma economia de baixo carbono, maximizando os benefícios ambientais, económicos e sociais para Portugal.
O que é o NIR – Inventário Nacional de Emissões?
Os Estados-Membros da União Europeia (UE) elaboram anualmente o Inventário Nacional de Emissões por Fontes e Remoções por Sumidouros de Poluentes Atmosféricos (INERPA) , cuja apresentação inclui o National Inventory Report (NIR). Este documento, submetido à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC) e à Comissão Europeia, é uma ferramenta essencial para monitorizar as emissões e remoções de GEE, garantindo transparência, precisão, completude, comparabilidade e consistência (princípios TACCC).
O NIR é elaborado em conformidade com as diretrizes do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) de 2006, obrigatórias sob o Acordo de Paris, sendo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) a responsável pela sua coordenação e elaboração. O NIR integra dados de várias instituições, como o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) ou o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e tem os seguintes objetivos principais:
- Cumprimento de compromissos internacionais: O NIR permite aos Estados-Membros reportarem o progresso no cumprimento das metas do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris, nomeadamente a redução global de emissões e a neutralidade carbónica até 2050.
- Obrigações com a Comissão Europeia: No contexto da UE, o NIR é exigido pelo Regulamento (UE) 2018/1999 sobre a Governação da União da Energia e da Ação Climática, que estabelece a monitorização das metas do PNEC 2030 e do Pacto Ecológico Europeu. Em Portugal, o NIR contribui para avaliar o cumprimento do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050) e do PNEC 2030, que inclui uma redução de 11% nas emissões agrícolas até 2030.
- Controlo e planeamento: Como instrumento de controlo, permitindo à Comissão Europeia verificar se os Estados-Membros cumprem os limites de emissões setoriais, incluindo os setores abrangidos pelo Regime de Comércio de Licenças de Emissão (RCLE-UE) e os setores não-RCLE, como a agricultura. Além disso, orienta a formulação de políticas nacionais de descarbonização, identificando áreas prioritárias para mitigação.

Qual a metodologia do NIR?
A metodologia do NIR segue as diretrizes do IPCC de 2006, estruturadas em cinco setores principais: Energia, Processos Industriais e Uso de Produtos, Agricultura, Uso da Terra, Alterações do Uso da Terra e Florestas (LULUCF) e Resíduos. Atualmente esta metodologia separa aquilo que são emissões e o sequestro. O sequestro encontra-se no Uso do Solo, Alterações do Uso do Solo e Florestas (LULUCF), enquanto as emissões se encontram nos restantes setores.
O processo envolve várias componentes:
- Recolha de dados: Os Estados-Membros compilam dados de atividade (e.g., consumo de combustíveis, utilização de fertilizante, população animal, áreas cultivadas, entre outras) a partir de fontes oficiais, no caso de Portugal através do INE, ministérios e sistemas de monitorização por satélite.
- Aplicação de fatores de emissão: As emissões são calculadas multiplicando os dados de atividade por fatores de emissão específicos (quantidade de GEE emitida por unidade de atividade), fornecidos pelo IPCC ou adaptados a condições nacionais.
O IPCC define três níveis metodológicos que têm em conta o nível a que cada EM pode chegar de acordo com a informação que tem disponível, nomeadamente:- Tier 1: Usa dados agregados e fatores de emissão padrão; adequado para países com menos recursos.
- Tier 2: Incorpora dados nacionais específicos e fatores de emissão ajustados.
- Tier 3: Utiliza modelos avançados e medições diretas, oferecendo maior precisão.
- Controlo de Qualidade: Os dados são validados para garantir consistência temporal e setorial, com revisões por pares e auditorias pela UNFCCC e pela Comissão Europeia.
- Report: As estimativas são reportadas em tabelas Common Reporting Format (CRF) e acompanhadas por um relatório narrativo (NIR), detalhando metodologias, fontes de dados e incertezas.
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Gonçalo Vale
O artigo foi publicado originalmente em AGRO.GES.