Já houve um tempo em que dedicava algum tempo a documentos estratégicos como a “Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade”.
Actualmente acho-os uma perda de tempo, mas isso não quer dizer que, por uma vez, não resolva fazer um documento com a minha opinião sobre esta estratégia que, de acordo com este aviso, foi aprovada em Conselho de Ministros, tem 46 páginas publicadas em Diário da República e, agora, vai para discussão pública durante 10 dias mais sessenta.
Todo o processo me parece uma tolice, mas como não o conheço, não quer dizer que não seja eu que estou mal informado.
É certo que, sendo eu uma pessoa do planeamento, sempre subscrevi uma ideia de Ilídio de Araújo (com quem trabalhei) que, numa conferência, dizia (citação de memória, não me incomodem com a literalidade das palavras, a ideia sei que era esta) que o mais importante de um plano era o que sobraria se no dia da sua apresentação, um mafarrico qualquer queimasse todos os seus elementos materiais.
É uma forma bem expressiva de dizer que os processos são mais importantes que os resultados, no planeamento.
Do pouco que li da estratégia, infelizmente parece-me que não se aprendeu grande coisa e a ideia de Teresa Andresen (aqui sim, os trinta anos passados podem atraiçoar a minha memória), na altura Presidente do ICN, quando eu era vice-presidente (eu sei, é ao contrário, eu é que era vice-presidente quando a Teresa era presidente) de montar uma estratégia em fichas temáticas, concretas, discutidas com os agentes de conservação relevantes, com objectivos claros e indicadores de resultados, trazendo os agentes de conservação para compromissos colectivos, nunca foi considerada (ao menos como hipótese).
O que vejo são 46 longas páginas a repetir as coisas do costume sem qualquer esforço de enraizamento na sociedade que faça a conservação da natureza ter objectivos colectivos que cada um vai procurando atingir, à sua maneira e na medida das suas possibilidades.
De resto, se dúvidas houvesse, lá se mantém uma coisa que existe desde o tempo dos afonsinhos, mas que nunca funcionou minimamente (e, se funcionou, nunca foi útil) e bem exemplificativa de uma ideia de estratégia centralista, estatista, burocrática e sem qualquer ligação com a realidade (incluindo a realidade da inutilidade deste orgão, bem documentada historicamente):
“Estabelecer que o fórum intersectorial aprova o seu regime de funcionamento para o período de vigência da ENCNB 2030 e é constituído por um representante designado por cada uma das seguintes entidades:
a) ICNF, I. P., na qualidade de autoridade nacional para a conservação da natureza e biodiversidade, que coordena;
b) Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I. P.;
c) Turismo de Portugal, I. P.;
d) Agência Portuguesa do Ambiente, I. P.;
e) Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral;
f) Direção -Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos;
g) Direção -Geral da Autoridade Marítima;
h) Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, I. P.;
i) Uma individualidade de reconhecido mérito no âmbito da conservação da natureza e biodiversidade, designada pelo membro do Governo responsável pela área do ambiente;
j) Uma individualidade de reconhecido mérito no âmbito da conservação da natureza e biodiversidade, designada pela Associação Nacional de Municípios Portugueses;
k) Outras entidades públicas ou privadas que devam ser convidadas, atentas as respetivas competências, em função das matérias em discussão;”
Quem faz conservação da natureza são os gestores de terrenos, agricultores, pastores, resineiros, empreiteiros florestais, empresas, etc., etc., etc..
O Estado acha-os inúteis para o acompanhamento da dita estratégia porque o Estado, qual pai dos povos, os representa a todos.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.