Continuamos a acreditar que é possível, se formos ouvidos e não ignorados!
Para além das negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia, e a pausa tarifária nas relações comerciais dos EUA com a China, a semana fica marcada pela campanha eleitoral, que hoje termina. Sem grandes surpresas, os debates estiveram focados na confiança e credibilidade dos líderes (ou falta delas), num sentimento de “déjà vu”, estando claramente ausente uma ideia (ou ideal) para o País, tal como a posição portuguesa no quadro da União Europeia ou na NATO, o orçamento para a defesa (e já agora para a PAC), as perspetivas sobre as tarifas norte-americanas e a relação com os Estados Unidos da América (EUA). De geopolítica e de geoestratégia pouco se falou e é pena porque é neste tabuleiro que se vai jogar o nosso futuro.
Da agricultura, agroalimentar ou alimentação, sobraram alguns debates com representantes dos partidos políticos com assento na Assembleia da República e, como é óbvio, nos locais mais ligados ao mundo rural, com destaque para as principais Feiras. Gritou-se que o Setor é estratégico, que temos de reduzir a dependência e garantir a soberania alimentar. Ajudas e apoios não faltarão certamente, esperemos que não falte a tal visão do futuro.
Portugal não é uma ilha e, tal como já aqui referimos por diversas vezes, esperemos que o novo Governo, seja ou não de coligação, defenda a diversificação de mercados, a aposta no multilateralismo, decisões com bases científicas, promova as exportações sem esquecer o mercado interno e que tenha uma política coordenada entre os Ministérios da Agricultura (e da Alimentação?), Economia, Ambiente, Saúde, Educação, Negócios Estrangeiros e Defesa. É bom que o próximo Governo seja, sobretudo, um Governo coeso e que perceba, face à complexa conjuntura mundial, que a Alimentação nunca foi tão relevante como hoje e que a aposta no Mundo Rural permitirá inverter este plano inclinado em que o País se tornou. Dar importância à alimentação é absolutamente vital para travar o abandono e a desertificação e para tornar o setor mais atrativo para os jovens. A aposta deve ser na digitalização, na inovação, no acesso à tecnologia e na agricultura e alimentação de precisão. É bom assentar a ideia de que a produção de alimentos, enquanto primado do setor, é perfeitamente compatível com a proteção do ambiente e do bem-estar animal. Assim nos queiramos libertar das amarras ideológicas e do populismo ou da desinformação que gravita nas redes sociais.
Apenas na noite do próximo domingo conheceremos a nova arquitetura do Parlamento nacional, pese embora seja previsível, de acordo com as sondagens, que não seja muito diferente daquela que tivemos no último ano, sem que seja possível uma maioria robusta – longe de absoluta -, imune aos sobressaltos que têm marcado, infelizmente, a nossa governação. Se valeu ou não a pena as eleições antecipadas e que conclusões podemos retirar de qualquer legitimação de vencedores e vencidos, ou da indiferença causada pela abstenção, isso ficará para os habituais comentadores de serviço.
A partir de 18 de maio, seja qual for a decisão dos portugueses, o Governo vai ter muito trabalho pela frente. Desde logo, vai ter de lidar com o dossier das tarifas, que muito nos penaliza. Depois do acordo com os EUA e das negociações com a China, a Administração Trump – que parece ter evoluído de “furacão” para “espalha-brasas” – enviou uma carta para a Comissão Europeia, na sequência da decisão de Bruxelas de impor mais tarifas e de anunciar um plano concreto para depois de julho. Abriram-se janelas de esperança e de oportunidades, mas não podemos perder de vista outras origens, novos mercados e a relevância dos acordos comerciais, desde logo com o Mercosul ou com o Canadá. As relações com a Ásia e com a Índia são igualmente muito relevantes, pelo que a Europa tem de fazer o seu caminho. Pese embora as divergências internas e alinhamentos – os perigos espreitam a Leste – temos hoje uma oportunidade única de colocar a União Europeia como uma voz de peso na geopolítica mundial, equivalente à sua dimensão económica.
Provavelmente, a campanha eleitoral demonstrou que, contrariamente ao que aconteceu na Alemanha, não vai ser possível estabelecer acordos ou um pacto de regime entre a Coligação PSD/CDS e o PS, ao nível de temas tão importantes como a reforma da Administração pública, a água, a energia, a emigração, o ambiente e o território, a agricultura e alimentação.
No entanto, sobre estes temas, convinha termos algumas respostas já a partir de segunda-feira: que posição perante as Novas Técnicas Genómicas, sobre a Desflorestação? E relativamente à SILOPOR, aos stocks estratégicos e de emergência, ao funcionamento equilibrado da cadeia alimentar e ao novo acordo da União Europeia (UE) com a Ucrânia, o que se defende? Estes são alguns dos pontos que, entre tantos outros, farão a diferença entre um país mais competitivo e sustentável ou um modelo de empobrecimento, que desvaloriza o interior.
Finalmente, uma nota, que é central em tudo isto: a falta de meios humanos e de recursos na Administração Pública, com destaque para a DGAV. Para além das questões sanitárias ou dos matadouros, temos dossiers como o EUDR, a comummente designada lei da desflorestação, (como está a proposta de Decreto-Lei? Prevê alguma Comissão de Acompanhamento?), em que a competência é de uma dupla tutela com o ICNF, estando uma delas à partida, e ao que sabemos, sem reforço dos recursos humanos. Mantendo-se a situação temos o potencial de comprometer a aplicação da legislação e, no limite, causar disrupções na cadeia de abastecimento. Já para não falarmos de colegas em idade de reforma e aos quais não é dada a possibilidade de transferirem experiência e conhecimento para os mais jovens. Uma lacuna que iremos pagar caro, não apenas na DGAV, mas em toda a Administração Pública. Nem sempre menos Estado significa melhor Estado.
Numa nota positiva, vale a pena destacar que num contexto em que se discute o financiamento da União Europeia no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual , a simplificação das ajudas – vejam-se as conclusões do estudo da EU CAP Network – e de procedimentos mais aligeirados (que têm de incluir os prazos para licenciamentos), num momento em que é necessário reduzir os custos de contexto, desburocratizar, reforçar os apoios para a PAC, mas também procurar outros fundos para além dos “tradicionais”, os ventos que sopram do exterior, designadamente com o debate em torno da Visão sobre a Agricultura e Alimentação, podem indiciar que é possível dar um novo fôlego à agricultura e à pecuária, em Portugal e na Europa.
Para já, temos de fazer a nossa parte. Sem querer ser injusto, não vi isso durante a campanha. Mas continuamos a acreditar que é possível, se formos ouvidos e não ignorados!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA