Recomendo vivamente esta entrevista ao José Miguel Cardoso Pereira, e não é por lá no fim me citar: é normal que estejamos muitas vezes de acordo nesta matéria, entre outras razões, porque fui seu aluno numa disciplina de ecologia do fogo.
Numa dessas partes em que Zé Miguel fala das minhas propostas de pagamento directo aos gestores de terrenos para que façam uma gestão que não tem interesse suficiente para o dono do terreno, mas é do interesse de todos que essa gestão seja feita, retoma a minha proposta inicial, 100 euros por hectare/ ano, quando eu actualmente defendo que se comece por 100 euros por hectare, de três em três anos.
É certo que o que proponho é pouco, mas parece-me que mais vale começar mais devagar para reduzir o risco de criar rendas indevidas, o que permite avaliar como as pessoas respondem a esse incentivo, e vai-se ajustando o valor a essa resposta.
Em princípio, os primeiros a responder a esse estímulo serão os que já hoje fazem gestão de combustíveis, sem que ninguém, para além do mercado, lhes pague (resineiros, pastores, caçadores, produtores florestais competitivos, e mesmo conservacionistas que actuam no mercado da paz de espírito). Depois se avalia se isso é suficiente ou se é preciso aumentar o incentivo.
Em qualquer caso, mesmo com a proposta inicial que corresponde a um estímulo três vezes maior, o Zé Miguel compara o custo dessa opção ao dinheiro gasto com aviões, anualmente: vinte milhões para pagar gestão contra setenta milhões para pagar aviões, por ano. Repito, 20 milhões contra 70 milhões.
Ainda hoje acho que o melhor texto que escrevi sobre gestão do fogo é este, num longínquo ano de 2014, ou seja, um texto que tem nove anos de que trancrevo o parágrafo central: “E repare na diferença. O Canadair é importado, as cabras são de fabrico nacional. O Canadair usa combustíveis fósseis, as cabras são recursos renováveis. O Canadair cria custos de manutenção, as cabras criam cabritos. O Canadair não altera os dados do problema, as cabras estrumam o solo e aumentam a produtividade. E, last but not the least, no fim do seu tempo de vida útil o Canadair dá ainda despesa para o seu desmantelamento e tratamento dos resíduos e as cabras dão chanfanas.”
A verdade é que, passo a passo, temos vindo a reconhecer que é preciso abordar o problema de maneira diferente – o Zé Miguel lembra que conheceu pastores presos por fazer queimadas, e hoje é o Estado que tem um programa de apoio às queimadas – mas é tudo muito, muito devagar.
Ouvi recentemente o Senhor Ministro da tutela a dizer que tem por lá três milhões para finalmente experimentar pagar directamente a gestão aos produtores.
Claro que fico satisfeito com o facto de, ao fim de nove anos, já haver a intenção de no futuro fazer qualquer coisa nesse sentido, mas a esperança que tenho de que não seja preciso esperar outros nove anos, e mais uma tragédia, para se fazer alguma coisa consistente, é muito baixa: quase de certeza que vão pegar na ideia, e nos três milhões, e complicar as regras para tentar obrigar as pessoas a fazer o que os técnicos acham que deve ser feito em vez de simplesmente lhes pagar o serviço de interesse colectivo difuso que se pretende que prestem (para quem tiver dúvidas, é olhar para as áreas integradas de gestão da paisagem, que andam há uns cinco anos para trás e para a frente, sem que até agora tenha chegado nada de concreto ao terreno, apesar dos milhões já gastos).
E essa ânsia de controlo é uma das principais razões para a lentidão da sociedade e, consequentemente, do Estado, na adopção de medidas úteis que custam um terço de outras mais espectaculares e politicamente mais simples, como passear aviões e helicópteros – aeronaves de asa fixa e de asa móvel, dizem eles cheios de rigor – por cima de fogos incontroláveis.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.