Aos trabalhadores, aos camponeses e a todos os povos do mundo,
O dia 10 de Setembro é comemorado pela Vía Campesina e pelos seus aliados em todo o mundo como o Dia Internacional de Acção contra a Organização Mundial do Comércio (OMC) e contra os acordos de livre comércio (ALC). Neste dia, recordamos o sacrifício do camponês sul-coreano Lee Kyung Hae, que, em Cancún, México, em 2003, se suicidou para protestar contra as políticas de livre comércio conduzidas pela OMC.
A globalização do mercado livre só trouxe imenso sofrimento aos nossos povos e à humanidade como um todo. A privatização desenfreada de territórios e dos bens, a desregulamentação, o aumento das importações e do dumping, as perturbações no abastecimento causadas pelas guerras e, mais recentemente, o uso abusivo de direitos aduaneiros e barreiras não tarifárias para fins imperialistas têm agravado continuamente o sofrimento dos trabalhadores e das trabalhadoras e dos pequenos produtores e produtoras de alimentos. Apesar dos seus fracassos evidentes, a OMC (e os acordos de livre comércio negociados fora do seu âmbito) continua a exercer uma influência considerável no comércio mundial.
A recente guerra tarifária conduzida pelo governo americano também demonstra que as medidas comerciais podem servir para militarizar a política externa imperialista, em vez de apoiar os pequenos produtores de alimentos, melhorar a disponibilidade de alimentos, criar empregos e reforçar a soberania alimentar tanto no Hemisfério Norte como no Sul. Perante tal ofensiva imperialista, a OMC continua a ser disfuncional.
Temos de intensificar a nossa luta contra estas instituições neoliberais, defender os camponeses e as comunidades rurais e proteger a nossa soberania alimentar, bem como a nossa biodiversidade.
Hoje, em quase todas as regiões do mundo, as classes populares rurais e urbanas estão a revoltar-se. Depois de terem sido sistematicamente marginalizadas e tornadas invisíveis por um sistema económico promovido graças ao Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, da OMC e dos acordos de comércio livre, as populações expressam agora a sua revolta através de movimentos de massas.
É imperativo que nos apoiemos neste movimento crescente a favor da mudança. O contexto global actual oferece uma oportunidade única para conceber um novo quadro comercial global baseado na soberania alimentar, que sirva verdadeiramente os interesses dos camponeses, dos pequenos produtores de alimentos e dos trabalhadores.
Devemos construir em conjunto, a partir dos nossos territórios, um quadro que altere radicalmente os princípios que definem o sistema comercial mundial e que permita estabelecer a soberania alimentar. Um quadro que permita aos países elaborar políticas que garantam meios de subsistência dignos para todos, em particular para os pequenos produtores.
Preços mínimos de apoio, armazenamento público, gestão da oferta e contratos públicos de alimentos são apenas algumas das muitas políticas pragmáticas que poderiam garantir um rendimento digno aos pequenos produtores de alimentos e defender o direito das populações a uma alimentação saudável e nutritiva.
Tal quadro garantiria também que os nossos sistemas alimentares fossem organizados de forma democrática e não abandonados aos caprichos do mercado. A Via Campesina está firmemente convencida de que um novo quadro comercial deve recorrer a instrumentos como direitos aduaneiros, barreiras não tarifárias e subsídios, a fim de dar prioridade ao apoio aos agricultores familiares, aos pequenos produtores, aos pescadores e aos trabalhadores rurais.
Em Setembro, o 3º Fórum Global Nyéléni realiza-se em Kandy, no Sri Lanka. Este reúne uma ampla gama de movimentos sociais, incluindo pequenos produtores, povos indígenas, trabalhadores e activistas, com o objectivo de elaborar propostas para uma transformação sistémica dos nossos sistemas alimentares. Durante este importante fórum, a proposta de estabelecer um novo quadro comercial baseado na soberania alimentar também será apresentada, debatida e aprofundada.
Além disso, a Via Campesina também se prepara para se mobilizar durante a próxima Conferência Ministerial da OMC (MC14), que será realizada nos Camarões, de 26 a 29 de Março de 2026. Em agonia, a OMC tenta manter-se relevante num mundo confrontado com problemas como as desigualdades crescentes, a pobreza, a fome e a guerra. A OMC deve retirar-se da agricultura. Temos de acabar com a OMC. Mas também temos de propor uma alternativa.
Junte-se a nós e construamos juntos o mundo que sabemos ser possível.
O artigo foi publicado originalmente em CNA.