Quando em dezembro, os governos se reunirem no Dubai, no âmbito da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), para discutir o objetivo global para as energias renováveis – um complemento necessário para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis – terão que ter em consideração que energia gerada pela combustão de biomassa florestal não deve ser incluída, dado o volume de emissões imediatas de carbono relacionadas com esta fonte de energia. A queima de biomassa florestal para fins energéticos é frequentemente apelidada de “falsa energia renovável”, porque não passa nos critérios básicos: não tem baixas emissões, não é limpa e o potencial renovável é questionável.
Biomassa, uma energia falsamente renovável
A queima de biomassa florestal para produção de energia não é neutra em termos de carbono. Emite imediatamente grandes quantidades de gases com efeito de estufa, sendo que são necessárias décadas ou séculos para que as florestas cresçam novamente e sequestrem o carbono libertado pela queima, o que é demasiado tempo para contribuir efetivamente para o objetivo de 1,5°C do Acordo de Paris.
Acresce que compromete o potencial de mitigação das alterações climáticas das florestas. Para cumprir o objetivo do Acordo de Paris e limitar o aquecimento global a 1,5º C, os cientistas concordam que teremos de retirar o dióxido de carbono da atmosfera. Uma forma segura e comprovada de fazê-lo é proteger e restaurar as florestas naturais. O abate de árvores em larga escala para utilização de biomassa no setor energético contribui para a redução da capacidade de sequestro das florestas.
Por outro lado, a utilização de biomassa para produção de energia afasta o investimento de outras energias renováveis, ao prejudicar a transição para energias com menos emissões, porque compete pelos mesmos apoios e incentivos governamentais. Ao contrário do investimento em tecnologias de baixas emissões, como a eólica e a solar, a energia da biomassa implica custos contínuos e depende de subsídios recorrentes. Pode ainda proporcionar um prolongamento do tempo de vida de centrais elétricas a carvão, ao permitir a coincineração com biomassa florestal, numa altura em que precisamos de abandonar a queima à escala industrial.
Não menos importante é que esta aposta prejudica a saúde e o bem-estar humanos, já que pessoas que vivem na linha da frente da destruição das florestas são frequentemente mais vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas e estão também sujeitas a conflitos com as indústrias extrativas. Além disso, as instalações de combustão de biomassa estão frequentemente localizadas em zonas que colocam em risco a qualidade de vida das populações, como é exemplo a Central de Biomassa no Fundão, cujo conflito com os habitantes está longe de ser resolvido.
A aposta na biomassa em Portugal continua pouco transparente
Nos relatórios publicados em 2021 e 2022, a ZERO alertou para o facto de, embora em teoria os sectores da biomassa e dos pellets em Portugal utilizarem apenas resíduos florestais e resíduos industriais, na realidade o que se constata no terreno é condizente com a exploração insustentável dos recursos florestais quando troncos de madeira de qualidade estão a ser queimados para produzir eletricidade ou a ser transformados em pellets de madeira para alimentar as necessidades de um mercado europeu ávido de matéria-prima para incinerar nas centrais de biomassa, agravando ainda mais o défice de matéria-prima na indústria portuguesa. No caso da indústria dos pellets, Em 2021 foram produzidas cerca de 815.000 toneladas de pellets de madeira, para as quais foram necessárias mais de 1,5 milhões de toneladas de madeira. Cerca de 510.000 toneladas foram exportadas, na sua maioria, para queimar nas centrais a carvão que foram, entretanto, convertidas e noutras centrais de queima de biomassa para produção de eletricidade no Reino Unido, na Dinamarca e na Holanda.
Os problemas apontados permanecem atuais, não havendo garantias de que a utilização de biomassa florestal no setor energético seja verdadeiramente sustentável, assegurando que são queimados única e exclusivamente verdadeiros resíduos florestais. A ZERO apresenta quatro pontos negros aos quais o Governo deve dar atenção:
- A ausência de cumprimento da legislação em vigor – as situações de possível incumprimento da legislação em vigor continuam, quanto à apresentação e à aprovação dos planos de ação para 10 anos, da responsabilidade dos promotores de centrais, que acabam por beneficiar do pagamento majorado da energia produzida. Um ano depois do alerta da ZERO, continua a ausência de resposta por parte da Secretaria de Estado do Ambiente quanto ao número de centrais que estão em incumprimento. O consumidor continua a pagar a majoração na fatura de energia no final do mês.
- Lacunas do conhecimento quanto ao potencial de resíduos florestais passiveis de utilização – Portugal continua sem um estudo sério que apresente qual o verdadeiro potencial de resíduos florestais passiveis de utilização no setor energético, acautelando outras utilizações com a que é feita por parte da indústria, que contribui para a economia nacional de forma significativa e com produtos que sequestram carbono a longo prazo.
- Análise da verdadeira importância dos projetos de biomassa na redução do risco de incêndios – É fundamental efetuar uma análise do impacto que as centrais de biomassa têm no território como ferramentas para a prevenção de incêndios rurais. Sem uma avaliação das políticas existentes no terreno dificilmente se pode avançar com outros projetos, como é intenção do Governo com a atribuição de mais 60 MW direcionados à construção de novas centrais de biomassa para produção de energia, alegando o interesse de aproveitamento de resíduos florestais em áreas com elevado risco de incêndio rural, mas sem uma verdadeira garantia de que, sejam cumpridos verdadeiros critérios de sustentabilidade.
- Aposta em verdadeiras formas de energia renovável – O Fundo Ambiental abriu um aviso para apoiar projetos para geração de energia à escala local com o objetivo de contribuir para a sustentabilidade energética com o aproveitamento de sobrantes da exploração agroflorestal e gestão de combustíveis, contribuindo para a redução do risco de incêndios. Este é um aviso que apoia e bem, tal como a ZERO já defendeu anteriormente, a aposta em pequenas unidades locais de valorização energética que permitam suprir necessidade de aquecimento de edifícios públicos de forma eficiente. Contudo, preocupa a possibilidade de investimentos na área da produção de pellets. Como é sabido, a produção de pellets certificados implica a utilização de madeira descascada para cumprir a norma, situação que vai mais uma vez vai contribuir para o desequilíbrio da balança no que respeita à competição por matéria-prima com a indústria de serração de madeira.
Fonte: ZERO