A região do Sudoeste Alentejano, especificamente a faixa do litoral que começa em Vila Nova de Milfontes e termina em Odeceixe, perfaz uma área rectangular de 140 km2 que beneficia de um conjunto de exigências edafo-climáticas para a produção de produtos agrícolas de qualidade.
Com uma contribuição actual de cerca de 300M no PIB, esta região teve um ”boom” de investimento privado na década de 2010/2020.
Desde então, e olhando para os últimos 10 anos, o sector tem-se vindo a afirmar na excelência qualitativa do que produz, o que tem gerado maior interesse em novos investimentos agrícolas, quer pelas empresas já existentes, que querem ganhar economia de escala, quer por novos investidores que querem rentabilizar capital com novos projectos.
Com fortíssima dependência da actividade turística sazonal, a região que outrora apenas tinha vida no Verão, deparou-se com um súbito crescimento da actividade agrícola e movimento nas ruas. Isto começou por causar algum desconforto aos habitantes lá nascidos e criados. A tranquilidade com que se depararam nas últimas décadas, parecia estar ameaçada – a paisagem mudou; a barragem do regadio chegou a cotas nunca antes atingidas; a falta de mão de obra local obrigou a contratação de trabalhadores estrangeiros com padrões culturais distintos da população local.
Num concelho desertificado e envelhecido, qualquer mudança causa inquietação e agita muito o tecido social. Parece-me normal e razoável que haja descontentamento quando as coisas se fazem de forma tão rápida sem qualquer planeamento estratégico pelos poderes locais e centrais.
Não tardou até que um grupo de habitantes, e também de não-habitantes, tivessem iniciado um movimento com o intuito de travar este investimento privado. Bem ou mal, fazem-se ouvir e têm uma agenda que coloca todo o sistema agrícola da região no cerne da questão.
“Nem mais 1 estufa em Odemira”; “Estufem a vossa prima”; “Agricultura Intensiva NÃO”, são alguns dos slogans usados pelo movimento para fazer jus à sua causa.
São diversos os produtos lá produzidos. Saliento as framboesas, mirtilos, batata-doce, tomates, amêndoa, laranja, flores, forragens e saladas.
Responsável por mais de metade da economia da região, a agricultura assume um papel importante na fixação de pessoas neste concelho que outrora foi o mais desertificado do país. São pessoas que são integradas nos quadros das empresas e começam as suas vidas no concelho (pessoas essas onde eu me incluo). Ainda que aconteça apenas na faixa litoral do concelho (que é onde a área beneficiada pelo regadio se encontra), a fixação existe.
A conclusão é rápida de deduzir: onde há água, há vida! O regadio, aliado a novas culturas agrícolas, mudou o paradigma da região.
O que falhou afinal ?
Falhou política. Foi o que falhou.
Não há investimento privado que não tenha a necessidade de ser acompanhado de investimento público.
A área de regadio despertou um interesse anormal na produção agrícola da região, e era de esperar que os poderes locais, e centrais, tivessem a capacidade de perceber o rumo que o sector estava a seguir e actuar na matéria que lhes diz respeito: legislação & tutela.
O assunto foi encarado de lado e não de frente. As tutelas foram esperando para ver o que acontecia a seguir.
Ninguém sabia como actuar perante tão súbita e intensa mudança. Entrámos num estado de “cada um faz o que quiser e depois vê-se”.
Recordo-me de ler uma entrevista do anterior Presidente da CMOdemira, em 2016, onde afirmava que a agricultura era o motor da economia da região e que o regadio de Santa Clara é uma mais valia para o desenvolvimento do concelho. Em 2021, o mesmo Presidente assumiu publicamente uma posição contrária e questionava a insustentabilidade destes mesmos investimentos.
Este contraditório traduz o que foi feito ao longo destes 5 anos pelo Governo: nada!
O que falhou foi não termos sido capazes de perceber o potencial agrícola da região e definir, atempadamente, um plano estratégico a longo prazo para o sector.
Um plano que assentasse no desenvolvimento económico, social e ambiental da região.
Um plano que definisse, de forma clara, as tutelas responsáveis pelos projetos agrícolas do regadio do Mira & dos valores naturais a preservar no PNSACV. Uma tutela que agisse e não se limitasse a existir.
Um plano que visasse a utilização estratégica da água e que projectasse a disponibilidade da mesma ao longo dos anos, e definisse um conjunto de investimentos e/ou alternativas no caso de falta de precipitação.
Um plano que integrasse a mão de obra estrangeira (a par do que se faz noutros países como o Reino Unido ou França), e não permitisse a fragmentação do tecido social, como está agora a acontecer, e que leva a esquemas ilegais de movimento de pessoas entre países.
Um plano que, no fundo, potenciasse o desenvolvimento de uma região única no país e que fosse capaz de aliar os dois grandes sectores da concelho, sem causar desconforto e confronto entre eles: o turismo e a agricultura.
Planeamento estratégico, foi o que falhou.
André Miranda
Produtor e Consultor Agrícola