O engenheiro Joaquim Poças Martins defende que “não podemos estar em regime de terramoto” em relação à seca, mas elogia o “Marquês de Pombal do momento”, o ministro do Ambiente, que “veio dar a cara”.
Em 1755, aquando do Grande Terramoto de Lisboa, o Marquês de Pombal advogou “enterremos os mortos e salvemos os vivos”, lembra, em entrevista à agência Lusa, o especialista em gestão de água.
Para a seca que se vive atualmente no país, defende uma estratégia semelhante, e concretiza: “vai ser necessário adaptar as culturas às novas épocas, não é possível fazer o contrário”.
“Falando com agricultores, o que vemos são cidadãos como nós desesperados, que só sabem aquela resposta, que não foram ajudados a pensar de forma diferente e, como tal, não sabem agora o que fazer”, prossegue.
O especialista defende que esses agricultores “têm de ser ajudados agora, mas não podem ser ajudados de dois em dois ou de três em três anos, porque não é possível, não há gente suficiente para ajudar quem não se adapta”.
Num contexto em que não falta quem aponte o dedo, o professor universitário quis “também dizer bem” da atuação do Governo nesta matéria.
“Neste caso concreto, o Marquês de Pombal é o ministro desta área [João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Ação Climática], que veio dar a cara e veio dizer que está a fazer aquilo que pode fazer neste contexto”.
O governante referiu a criação de uma dessalinizadora no Algarve, investimentos para reduzir as perdas de água, falou de reutilização de água e de trabalhar em articulação com o Ministério da Agricultura para resolver problemas agrícolas, destaca Poças Martins.
Mas, disse, é preciso fazer uma distinção: “Estamos em 2021 e não houve mais terramotos, felizmente, e secas há quase todos os anos”, pelo que considera que “não faz sentido ter o ‘Marquês de Pombal’ do ano vir anunciar coisas destas conjunturais, é preciso haver uma solução maior”.
Essa solução “não é para amanhã”, mas existe, garante, defendendo que se faça “o que foi feito para o abastecimento de água nas casas – poupar, planear, investir e gerir bem”.
O ex-secretário de Estado do Ambiente lembra o esforço feito na década de 1990, altura em que estava no Governo de Cavaco Silva, para criar a Águas de Portugal e as suas subsidiárias, permitindo que “hoje as secas não cheguem às torneiras”.
Depois de o executivo ter anunciado que iria limitar a produção hidroelétrica e de utilização de água para rega em várias barragens, Poças Martins diz estar “globalmente de acordo” com as medidas tomadas e regista “pela positiva o facto de ter sido tomada uma decisão firme de parar a produção de energia nas barragens”.
“A discussão é se podia ter sido mais cedo ou mais tarde, não me parece que tenha de ter sido mais cedo”, prossegue.
Enquanto “técnico do setor há muitos anos”, realça ainda a imposição clara de uma meta: “paramos quando houver o risco de não haver água para consumo público para os próximos dois anos”.
“Nunca foi feito antes, registo pela positiva”, vinca.
Por outro lado, “não é vida o ministro que cá estiver, este ou outro, daqui a dois ou três anos vir essencialmente com o mesmo discurso. Temos de mudar e, essencialmente, mudar na agricultura, com calma, serenidade e diálogo, para, com as universidades, pôr as culturas no sítio certo”, destaca.
Joaquim Poças Martins é licenciado em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, e doutorado pela Universidade de Newcastle, em Inglaterra.
Desde 1974 é docente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, onde dirige a Secção de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente.
Foi, entre 1993 e 1995, Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor do XII Governo Constitucional de Portugal, no último governo liderado por Aníbal Cavaco Silva.