Hoje, ao abrigo da Lei Europeia do Clima, a Comissão Europeia apresentou finalmente a meta de redução de emissões de gases com efeito de estufa até 2040 para todo o bloco. A proposta aponta para uma diminuição de “pelo menos 90%” face aos níveis de 1990, mas inclui mecanismos de flexibilidade que minam a ambição e eficácia do objetivo. Esta decisão chega com vários meses de atraso, depois de sucessivos adiamentos e negociações informais nos bastidores, num momento em que a Europa atravessa uma onda de calor tórrido e o tempo para travar a crise climática se esgota rapidamente.
A Lei Europeia do Clima, aprovada em 2021, estabeleceu como obrigatória a definição de uma meta climática para 2040 até, no máximo, seis meses após a conclusão do primeiro balanço global do Acordo de Paris, que teve lugar na COP28, em dezembro de 2023. A Comissão falhou esse prazo, atrasando a apresentação da proposta por motivações políticas, e só agora, em julho de 2025, a torna pública. Este adiamento tem custos: compromete o planeamento a médio prazo, dificulta a definição da meta para 2035 (obrigatória ao abrigo do Acordo de Paris) e transmite um sinal de fraqueza política num momento determinante em que a Europa deveria dar o exemplo.
Flexibilidades inaceitáveis que comprometem a seriedade do objetivo
A meta de 90% segue parcialmente as recomendações do Conselho Consultivo Científico Europeu sobre as Alterações Climáticas, que apontou para reduções entre 90% e 95% até 2040. No entanto, a Comissão optou por introduzir “flexibilidades” inaceitáveis, como a possibilidade de cumprir parte da meta através de créditos de carbono internacionais ao abrigo do Artigo 6 do Acordo de Paris, a partir de 2036, até um limite de 3% das emissões líquidas da UE em 1990. Embora se argumente que estes créditos devem ser de “alta qualidade”, a sua utilização representa um risco de desresponsabilização e de externalização da mitigação climática, desviando a ação da redução direta, que é o que importa. A proposta também abre espaço à compensação de emissões residuais nos sectores de difícil descarbonização com remoções permanentes internas, nomeadamente através do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE), e prevê flexibilidades intersectoriais com base em critérios de custo-eficácia — soluções que, se não forem rigorosamente reguladas, poderão favorecer sectores altamente emissores e adiar a sua transição. O próprio Conselho Consultivo Científico Europeu sobre as Alterações Climáticas pronunciou-se sobre a inaceitabilidade deste tipo de pseudossoluções.
Este atraso e a falta de clareza na proposta colocam também em causa as obrigações internacionais da União Europeia. Até Setembro de 2025, a UE deverá submeter às Nações Unidas a sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para 2035, que deve refletir coerentemente a ambição da meta de 2040. Sem uma meta credível sobre o objetivo de 2040, será impossível apresentar um NDC robusto e alinhado com o Acordo de Paris, comprometendo a credibilidade da União como líder climática global e enfraquecendo o esforço internacional de limitação do aquecimento global a 1,5 °C.
Além disso, a proposta chega num contexto político marcado pelo recuo climático na sequência das eleições europeias de 2024, com o reforço de forças políticas contrárias ao Pacto Ecológico Europeu. Ao tentar evitar fricções com governos reticentes, como os da Polónia ou Hungria, a Comissão optou por um compromisso frágil, politicamente diluído, e cientificamente arriscado. A falta de transparência e o pré-acordo informal com alguns governos enfraqueceu ainda mais a legitimidade do processo.
Uma oportunidade perdida de restaurar a liderança climática europeia
Para a ZERO e para as suas congéneres europeias, esta proposta representa uma oportunidade perdida de restaurar a liderança climática europeia e compromete a credibilidade do bloco na cena internacional. A meta de 2040 deveria ter sido um ponto de viragem, assente em justiça climática, responsabilidade histórica e equidade intergeracional. Em vez disso, a Comissão apresenta um objetivo ambíguo, atrasado, e permeável a interesses que há muito bloqueiam a transição justa e sustentável.
Portugal deve posicionar-se de forma clara:
• A UE deve ambicionar a neutralidade climática em 2040, garantido a sua autonomia energética tão depressa quanto possível;
• No mínimo, a meta de redução de gases com efeito de estufa em pelo menos 90% face a 1990, deve ser vinculativa e sem flexibilidades externas;
• A redução de emissões deve ser feita dentro do território europeu, com base em cortes reais, e não em compensações fictícias;
• É essencial garantir apoio justo à descarbonização nos sectores mais vulneráveis e proteger as comunidades mais afetadas pela transição;
• O Governo português deve exigir uma governação climática robusta e transparente, com base na ciência e na participação cidadã.
A Humanidade não pode esperar por compromissos a meio caminho. A Comissão Europeia teve uma única oportunidade de mostrar coragem e consistência, mas preferiu o caminho das meias-medidas. Cabe agora aos Estados-Membros, e a Portugal em particular, trabalhar para recuperar a ambição que esta proposta perdeu.
Fonte: ZERO